27 - Abrindo o coração

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Ana

Trabalhei até às três da manhã, precisei adiantar tudo porque pretendo ficar de guarda no apartamento de Liliane, não saio de lá sem falar com ela, hoje. Meu humor está péssimo, pensei em Marco a noite inteira, tive um desconforto horrível, a cama sem ele fica enorme e fria.

Droga! Não posso continuar tão dependente dele assim. Marco acaba de vender sua casa, e seus planos são de comprar um apartamento por aqui, ou seja, mais cedo ou mais tarde ele vai embora... Confesso que sinto um nó no estômago ao pensar nisso, levando em conta minha experiência solitária desta noite, sei que não vai ser nada fácil, o cheiro dele está em toda parte, no banheiro, seu xampu com fragrância de lavanda, na cama, seu cheiro másculo e delicioso, na cozinha, seus temperos e pratos apetitosos, percebo que Marco está em cada parte.

Estar na cozinha é algo estranho para mim, faz tempos que não cozinho nada. Desisto no primeiro instante, prefiro passar em uma padaria no caminho e comer algo por lá, como sempre fiz. Pego minha jaqueta jeans, meu cachecol e as chaves do carro.

Hoje, Liliane não me escapa!

Nunca imaginei que vigiar alguém fosse tão cansativo. Estou parada aqui há horas. Claro que desta vez estacionei em outro lugar, para não correr risco algum dela me ver e me ignorar. 

Noto que a janela de seu apartamento está entreaberta, isso é um bom sinal. Só não sei quanto tempo mais precisarei ficar aqui.

Meu telefone toca, é Lucas, certamente quer notícias. Com meu coração fica apertado, eu ignoro, afinal, não tenho notícia alguma para lhe dar. Guardo meu celular novamente no bolso. Decido entrar no prédio, estou cansada de ficar aqui na rua. Vou bater na porta dela incessantemente, gritar, coloco até fogo na sua porta se for preciso, mas não fico nem um minuto a mais aqui esperando.

Quando o elevador está quase se fechando, um rapaz corre pedindo que eu segure. Atendo. Ele já está dentro, segura um capacete nas mãos e uma sacolinha, talvez se trate de um motoboy, daqueles que fazem entregas.

Chegamos ao nono andar e saímos juntos, o rapaz primeiro. Para minha surpresa, ele segue na mesma direção que eu e logo o vejo parar à frente do número 902, o apartamento da minha amiga. Paro onde estou e finjo que vou bater à porta ao lado. O rapaz bate a campainha de Liliane e logo ouço a voz de minha amiga :

— Quem é?— sinto sua voz também um tanto desconfiada.

O rapaz responde:

— Entrega!

Logo a porta se abre. Vejo minha amiga e fico assustada com seu estado. Se Lucas estava mal, ela está bem pior. Seus cabelos enrolados ou "embolados" melhor dizendo, em um coque frouxo, usa uma camisa exageradamente grande que bate em seus joelhos com a propaganda de um supermercado. Lili recebe a sacola das mãos do rapaz, fico bastante curiosa em saber do que se trata. Minha amiga dá algum dinheiro e logo ele se vira, passa por mim e volta de onde viemos.

Aproveito, antes que Liliane feche a porta e siga em frente rapidamente. Quando me vê, fica pálida, assustada, parece ter visto um fantasma. Estamos nos encarando. Não dizemos nenhuma palavra se quer, percebo ela trêmula. A princípio, nos olhamos por um bom tempo sem quebrar o contato visual. Ela tem bastante olheira, parece ter chorado muito. Liliane engole seco, noto pelo movimento em sua garganta, realmente ela não esperava me ver.

Sou a primeira a falar:

— Oi, Liliane.

Ela demora a responder:

Como se sua ficha estivesse caindo somente agora, percebo ela esconder a sacolinha que recebeu atrás das costas na tentativa de ocultar o conteúdo.

— Ana! — fala ainda assustada.

O INVERNO ME TROUXE VOCÊ Onde histórias criam vida. Descubra agora