24 - Sem afeto

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Ana

Chegamos à cidade do Porto no início da noite. Ainda estou angustiada com tudo, não sei o estado em que minha mãe se encontra. Deixamos as malas em casa e seguimos para o hospital. Chegamos antes do encerramento das visitas. No quarto em que minha mãe está, se trata de um lugar simples, como qualquer quarto de hospital público, paredes frias num tom de cinza claro, móveis simples, uma cama de ferro e uma pequena cômoda na qual cabe apenas uma bolsa, além dos equipamentos médicos de suporte aos doentes. Noto que há mais dois pacientes e todos recebem suas famílias, mas dona Márcia está sozinha com a mesma cara de poucos amigos de sempre. Fico chocada com sua aparência, logo ela, que sempre foi tão vaidosa, está sem maquiagem alguma. Tudo bem que está em um hospital, mas minha mãe nunca deixou de se arrumar nem mesmo para ir a um velório. Ela também parece mais magra que o normal, de longe percebo que há um corte em sua testa com alguns pontos, além de um pulso enfaixado. Já estamos dentro do quarto quando ela se vira e me vê, fica pálida, parece ter visto um fantasma. E eu me angustio ao ver que, além do corte na testa e do pulso machucado, ela tem um olho roxo.

— Olá, mamãe — falo temerosa com sua reação ao me ver.

Ela me analisa de cima a baixo, meio confusa.

— Ana Jully, o que você está fazendo aqui? Como... ?

Me aproximo e me sento na beirada da cama. Marco fica na porta, já percebeu que o temperamento de minha mãe não é dos melhores.

— Eu soube que a senhora estava aqui. A irmã do namorado da Liliane trabalha neste hospital e eles vieram buscá-la, então Lili te viu aqui.

Ela bufa, expressando o quanto está descontente com isso. 

— Mulherzinha fofoqueira, esta sua amiga!

— Não, mãe! Liliane não fez uma fofoca. Ela ficou preocupada e com toda razão. Por que a senhora não me ligou avisando que tinha acontecido? Aliás, o que foi mesmo que aconteceu?

Disfarça e percebo que começa a ficar nervosa, olha para os lados, confesso que já vi essa cena antes.

— Eu... Estava saindo do banco... E fui assaltada... Foram os bandidos quem fizeram isso... 

Em nenhum momento me encara nos olhos, demonstrando o quanto está mentindo. Não vim até aqui para brigar, mas confesso que está me deixando irritada por não falar a verdade. Respiro fundo na tentativa de me acalmar, mas não funciona.

— Mãe, você acha que eu sou idiota para acreditar nisso que está me falando? Eu sei que não foi assalto coisa nenhuma.

Dona Márcia me confronta, mas tenho a sensação de que, na verdade, está tentando fugir do assunto.

— Quantas vezes eu vou ter que repetir para você, Jully, que não lhe devo satisfações?

Sem perceber, estou alterando minha voz:

— Ah, dona Márcia! Você não vai me enrolar, eu sei o que aconteceu com você e quem fez isso, já vi isso muitas vezes e você sabe. — Desta vez, não responde, me ignora e fico mais irritada. — E onde ele está? Cadê o seu namorado?

Falar nele a deixa inquieta, balança os pés por várias vezes. Vejo minha mãe abaixar a cabeça.

— Ele está... Em uma viagem. Trabalhando.

O INVERNO ME TROUXE VOCÊ Onde histórias criam vida. Descubra agora