10 - Fazendo as pazes

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Saio do trabalho às pressas. Marco e eu combinamos de levar comida hoje aos moradores de rua, juntos. Não foi um dia fácil, Lili e eu ainda não fizemos as pazes, tive vontade de me aproximar, não consigo ficar sem minha amiga, ela é muito importante para mim, apesar de ter errado em seu julgamento com Marco, sei que ela adoraria estar conosco nesse programa. Talvez à noite eu lhe mande pelo menos uma mensagem. Hoje a vi apenas duas vezes e estava com um semblante nada bom, nunca passamos tanto tempo sem nos falarmos.

Chego em casa e sou recebida com aquele cheiro delicioso de comida caseira. Tenho uma grande surpresa ao ver Marco em pé caminhando pela cozinha sem as muletas, ele finalmente conseguiu colocar o pé no chão. Ainda tem um pouco de dificuldade, mas é notória sua boa recuperação.

— Marco, você conseguiu colocar o pé no chão! — falo, admirada.

Ele sorri enquanto termina de embalar a comida.

— Sim, fiz repouso como prometido durante o dia todo. Mas confesso que desde ontem à noite eu já me sentia melhor.

Fico muito contente.

— Isso é bom!

— Sim, isso é muito bom.

Falo usando o termo para me referir à recuperação e aparência da comida. Me inclino até a panela.

Ele sorri novamente, engraçado como é nítido o prazer que ele tem em cozinhar. Me recordo de que um de seus amigos da rua disse que ele tinha um restaurante, fico muito curiosa em perguntar, mas me seguro, pois prometi não lhe fazer mais perguntas.

Ele nota a forma como eu olho a comida.

— Risoto de frango com batatas assadas.

Eu passo a língua sobre o contorno dos lábios.

— Delícia!

Marco se vira de costas e pega um prato.

— Sabia que chegaria faminta, separei esse para você, continua quentinho.

Abro um sorriso como uma criança que recebe doces.

— Hummm, obrigada, estou com fome mesmo.

Pego o prato de suas mãos e sinto seu toque, minhas mãos encostam nas suas. Nesse momento, nos entreolhamos. Quebro o nosso contato visual, não entendo por que isso tem acontecido entre nós. Me recordo da noite passada em que ele me olhou da cabeça aos pés porque eu usava um baby doll de cetim. 

Me sento com meu prato e começo a comer a fim de ocupar a mente e me esquecer de como fico mexida às vezes com a presença dele.

— Não demora, ainda temos marmitas para entregar — ele fala.

Sorrio.

Quando coloco a segunda porção na boca, ouço a campainha tocar. Me levanto e vou até lá. Não faço ideia de quem seja. Abro a porta.

Vejo  a imagem de Lili bem à minha frente. Ela está com seus cabelos desgrenhados e parece ter chorado muito. Meu coração parte ao ver o estado de minha amiga. Ficamos nos olhando sem falar nada até que ela se lança em meus braços. Envolvo-a com um abraço apertado e fecho a porta.

— Ana, eu... — ela tenta dizer e uma lágrima abafa sua voz.

Aperto-lhe mais forte.

— Está tudo bem — falo.

Após alguns minutos, ela respira fundo e se solta.

Nos encaramos novamente, desta vez, vejo alívio nos olhos de minha amiga.

Ela fala ansiosa:

— Me desculpa. Não deveria ter dito aquelas coisas, eu estava chateada comigo mesma, com minha covardia e acabei descontando em você.

O INVERNO ME TROUXE VOCÊ Onde histórias criam vida. Descubra agora