21 - Por Marco

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Marco

Minha vida mudou completamente quando Ana entrou, ela me tirou da escuridão, me trouxe vontade de retomar tudo o que abandonei um dia. Inicialmente embarquei num relacionamento mentiroso apenas para ajudá-la, vi como a presença daquele canalha do Nicolas lhe fazia mal, eu senti que precisava fazer isso por ela. Mas a verdade é que aos poucos acabamos nos envolvendo, havia uma atração carnal muito forte entre nós, algo que eu nunca senti por mulher alguma. Não resistimos, acabamos terminando juntos.

Ana é uma mulher incrível, que apesar de toda sua independência, vejo nela a carência de uma garotinha. Seu péssimo relacionamento com a mãe e o abuso sexual que sofreu na infância deixaram marcas dolorosas nela. Assim como meu vazio e culpa por me sentir responsável pela morte da minha filha. Talvez a nossa dor seja o que nos une, o que nos atraí, pois maior que todo esse vazio, é o desejo que temos de curar um ao outro.

Então resolvemos continuar juntos, ainda não definimos as coisas entre a gente, mas sei que não consigo imaginar minha vida mais como antes, um andarilho pelas ruas sem destino certo, quero estar com ela, quero seu corpo junto ao meu, quero ouvir o som de sua voz, acho que tudo isso significa apenas uma coisa, eu estou apaixonado, sei que parece insano, afinal nos conhecemos há menos de um mês, não sei se há alguma outra explicação para o que sinto. E sei que precisamos conversar sobre isso, esclarecer o que há entre nós, na verdade, há muitas outras coisas para esclarecermos, tem alguns detalhes que não lhe contei. Talvez por isso, ela parece bastante irritada desde que descobriu que minha ex-esposa é também minha prima. Eu ia contar a ela, mas estava esperando o momento certo. Confesso que foi um choque ver Priscila aqui, meus pais não têm jeito, eu não queria ver minha família, não esperava que todos viessem. Ainda não estava preparado, vir até aqui, na minha cidade e rever meus pais parecia uma ótima ideia, mas ter que lidar com tantos fantasmas do passado não está sendo nada fácil. Pensei que ter Ana ao meu lado tornaria tudo diferente, mas ela está nitidamente magoada e as lembranças do meu passado começam a me atormentar, despertando o gigante adormecido que eu acreditava ter enterrado.

Depois que conseguimos nos livrar de toda atenção da minha família, decidimos descansar. Ana não parecia muito bem, mais uma vez abri mão da minha vontade, que era de ir para minha casa, fizemos planos para isso, mas meus pais insistiram em que ficassemos, então viemos para o quarto, o mesmo que foi meu na adolescência. Ao entrar, vejo que tudo continua do mesmo jeito, uma decoração simples, com alguns quadros de aviador, realmente fui apaixonado por aviação, hoje... Nem sei mais se gosto. Observo tudo cheio de angústia, mas disfarço, minha alma começa a ficar tão acinzentada quanto às paredes frias. Minha mãe liga o aquecedor e mesmo assim não é o suficiente para aquecer meu coração.

De repente, tenho algumas lembranças da minha filha, ela brincando com meus mini avimotores, dizendo que deseja crescer para voar comigo. Não sei se vou dar conta de disfarçar o quão angustiado estou. Mudo meu campo de visão olhando para a janela, vejo minha casa bem ali, alguns quarteirões. Logo quando aconteceu o meu divórcio, comprei aquela casa.

- Está tudo do jeitinho que você deixou , filho.

Minha mãe diz quando nota quão penetrado estou observando minha casa.

- Eu sei, mamãe, vocês sempre cuidam de tudo.

Sempre cuidam mesmo, sempre cuidaram, poucas vezes em minha vida pude decidir algo por mim mesmo. Tal pensamento começa a remoer minha dor. A dor de escolhas erradas feita, a dor de não poder voltar atrás e consertar as coisas.

Minha mãe sai.

O clima entre mim e Ana ainda é tenso, ela está brava, eu sei bem o motivo e desejo esclarecer tudo, mas neste momento, minha alma está negra, escura, com tantos pensamentos me atormentando. Olho para o jardim pela janela, tão vazio, e novamente imagens de Melissa correndo para todos os cantos sorrindo invadem minha mente, se misturando ao movimento giratório do veículo que eu dirigia na noite do acidente. Na medida em que as risadas somem, surgem gritos de desperto em minha mente. Sinto o ar me faltar.

O INVERNO ME TROUXE VOCÊ Onde histórias criam vida. Descubra agora