14 - Meus próprios fantasmas

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Ana

Alerta de Gatilho

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Este capítulo contém cenas de abuso sexual infantil.

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Estou sentada na varanda da minha casa, tenho apenas 11 anos. Espero minha mãe chegar do mercado, não gosto de ficar sozinha com ele, o Zeca, pois sempre passa as mãos na minha perna e diz que não sou uma menininha mais, mas que sou uma mulher. Tenho medo dele. No outro dia, falou que tudo o que ele faz quando minha mãe não está é um segredo entre nós e que, se eu falar, ele vai machucar minha mãe. Por isso, não conto sobre as vezes que ele trouxe sua amiga aqui e eles ficaram no quarto sozinhos. Nem falo sobre o cheiro horrível que invade a casa quando ele acende um tipo diferente de cigarro. Minha mãe trabalha muito, desde que ... Louise se foi. Sinto falta da minha irmã. Pelo menos ela não conheceu esse cara.

Jullynha, venha aqui. — Ouço ele me chamar.

Me levanto devagar, olhando novamente para o portão na esperança de que minha mãe chegue.

Estou usando um macacão jeans que ganhei no meu aniversário. Desde que ele começou a passar as mãos nas minhas pernas, não uso mais vestidos.

— Jully! Você está surda, menina?— grita, fazendo meu corpo tremer.

Pelo cheiro, sei que fumou aquele cigarro.

— Oi — respondo.

Ele me olha com um olhar esquisito, do mesmo jeito que olha para as moças na rua, aquelas de roupas curtas.

Venha cá, Jullynha. — Ele dá tapinhas em seu colo. — Sente-se aqui, quero te falar uma coisa.

Não consigo ir até lá. Na última vez em que me sentei ali, ele tentou me beijar.

— Po-de falar... Estou ouvindo-do — gaguejo, pois, estou sentindo medo.

Ele fica nitidamente bravo. Se levanta e posso ver que tem um volume em suas calças. Minha amiga me disse que os homens ficam assim quando querem namorar. Dou um passo para trás.

—  Jully, quando eu te chamar, você vem! — grita e pula em minha direção.

Tento correr, mas não consigo. Ele me segura firme, começo a chorar, me desespero, quero minha mãe... Eu grito...grito...

Acordo.

— Me solta, me solta, maldito! — grito e empurro a pessoa que está ao meu lado na cama.

Minha respiração está rápida, estou tremendo de verdade.

Mas não é ele, aquele maldito. Foi um sonho, quer dizer, uma lembrança.

Somente agora noto que é Marco quem está ao meu lado. Ele está assustado, provavelmente teme ter feito algo de errado.

— Ana! — me chama preocupado.

Estou chorando e me lanço sobre ele. As lágrimas descem em desespero, não consigo controlar.

Marco me olha confuso.

— Só me abraça — imploro.

Ele me envolve carinhosamente.

— Ana, o que está acontecendo?

Como é bom tê-lo aqui. Deito-me em seu peito.

— Marco...— choro mais forte.

Ele me aperta mais e beija o topo da minha cabeça.

— Tudo bem... Seja lá o que for, eu estou aqui.

Ficamos assim por alguns minutos.

Estou mais calma, ergo a cabeça e lhe encaro. Ele beija meus lábios devagar num toque simples e suave, acaricia meus cabelos.

— Eu te disse que tinha meus próprios traumas... — falo diretamente.

Mas ele não me faz nenhuma pergunta, vejo que não deseja me pressionar. Mesmo assim, falo. Sinto uma necessidade de contar isso para alguém, nunca consegui me abrir, a não ser com uma terapeuta que consultei há alguns anos.

— Marco... Quando eu tinha 11 anos, fui abusada sexualmente e estuprada — falo, me contendo com a dor da recordação.

Ele fica em estado catatônico.

— Ana...?

Não lhe deixo falar. As lágrimas descem novamente quando me recordo daquele dia.

— Eu era apenas uma criança... Passei a ter muitos pesadelos. Nunca consegui falar sobre isso com ninguém.

Ele ainda está chocado, e vejo uma preocupação também em seus olhos. Marco repousa sua testa na minha.

— Você nunca denunciou? — Não consigo falar, apenas fungo. — Ana... Como eu queria ter te protegido... Que maldito!

Me abraça e me convida a repousar minha cabeça em seus ombros. Aceito de imediato. Aqui me sinto bem.

Respiro fundo e tento me recompor.

— Nunca contei para ninguém.

— Seus pais... Não souberam? Quem foi, quem fez isso covocê? — O tom de sua voz é de completa revolta. Noto que Marco toma minhas dores.

— Não, eu nunca contei nada para minha mãe. Não conheço meu pai. Sempre foram somente eu, minha mãe e minha irmã. Até que Louyse morreu por causa de um câncer.

Sinto Marco apertar minhas mãos de forma carinhosa. Esse homem está sendo perfeito.

— Nossa, isso não deve ter sido fácil.

— Não mesmo. Ainda mais quando sua mãe se dedica tanto por sua irmã e não aceita o fato dela não ter sido curada, descarregando toda sua frustração sobre você. Às vezes, acho que minha mãe desejava que eu tivesse morrido no lugar da Louise e confesso que desejei isso várias vezes.

Marco respira fundo.

— Vem aqui. — Ele me abraça novamente.

Me aninha nele, mas continuo falando:

— Minha mãe me odeia. Me odeia por ter sobrevivido, me odeia porque consegui vencer na vida, ao contrário do que ela esperava.

— Poxa, Ana. Sua mãe está perdendo a mulher incrível que você é.

Me inclino e deito em seu colo, fazendo suas pernas de travesseiro, sinto suas carícias e isso me tranquiliza. Fico feliz que ele esteja aqui. Em outras noites sombrias como esta, eu me enchia de remédios para tornar as coisas menos dolorosas.

— Que bom ter você aqui - sussurro, deitada.

Marco coloca um travesseiro debaixo da minha cabeça e se ajeita ao meu lado. Estamos deitados de conchinha.

— Não desejo estar em nenhum outro lugar.

Ele beija atrás da minha orelha, isso é muito bom.

Gemo.

— Hummm...

— Ana, somos o remédio que alivia a dor um do outro.

Gosto da sua comparação, mas como qualquer outro remédio, corremos o risco de ficarmos viciados, isto me preocupa.

Me viro, ficando de frente, ele me olha de uma forma tão intensa que desejo me lançar sobre ele. Então lhe beijo. Um beijo cálido. Sua boca está quente e é acolhedora. Marco me rende com carinho e cuidado. Nosso ritmo é lento, pois não temos pressa alguma.

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