38 - Cura

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Ana

Percebo que não estou em meu apartamento, olho em volta desanimada e vejo minha antiga sala, naquela casa, a mesma que o monstro do Zeca colocou fogo.

Estou deitada há dias sem ao menos me levantar da cama, não tenho vontade de fazer mais nada. Sinto todo mau cheiro do meu cabelo que não foi lavado nos últimos quinze dias, minhas roupas quase fazem parte do meu corpo, pois também não tenho trocado, sei que estou um trapo! Pego o controle com a mão para trocar de canal, a porta da sala se abre. Ela entra, minha mãe, toda extravagante como sempre, com suas unhas longas bem pintadas num tom de roxo e roupas justas demais.

— Pelo amor de Deus, Ana! Você não vai continuar nesse estado deplorável — fala num tom bravo quando me vê.

Fico parada olhando para ela, não acreditando que é ela, minha mãe. Como senti saudades!

— Vou contar até três e você vai levantar essa bunda do sofá e tomar um banho, assim não vai conseguir segurar o namorado por muito tempo. Bem típico de você, né? — ela usa aquele tom de sempre.

Mas não me irrito. Ver ela assim como se fosse real para mim já é o suficiente. Começo a sorrir. Sei que estou sonhando, e desta vez não quero acordar, este sonho não é como os pesadelos horríveis dos últimos meses.

Corro e me lanço em seus braços.

Ela ainda tem aquele cheiro de perfume doce que eu sempre odiei, mas desta vez, também não me importo.

Dona Márcia permanece imóvel.

— Ah, não! Você não vai me abraçar com esse mau cheiro de comida estragada! Ana Jully vai ao chuveiro, agora!

Mesmo assim, continuo o abraço.

— Mãe, eu te amo — falo.

Ela bufa.

— Tá, tá, Ana Jully, eu já entendi, agora vai tomar um banho.

Ainda estou sorrindo feito boba. Mas obedeço a ela, recupero minhas forças como há dias não tenho, subo as escadas correndo, assim que chego na porta do meu antigo quarto, já estou de roupas trocadas, bem penteada e limpa como num passe de mágica. Minha mãe está sentada na beirada da minha cama, a mesma que eu tinha quando adolescente. Tem uma bandeja posta na cama com alguns alimentos, faz dias que não como direito, Marco anda bastante preocupado por isso. O semblante dela está diferente, ela parece séria, faz gesto para que eu me sente. Fico tensa, não sei o que ela deseja, só não quero acordar, desejo aproveitar um pouco mais dela.

— Vem Jully, sente! — me aponta os alimentos. — Você precisa comer.

Em passos curtos, eu lhe obedeço. Sinto suas mãos acariciarem meu cabelo.

— Agora sim, você está bem melhor, filha — seu tom de voz é meigo, assim como quando resolvemos nossos conflitos.

Ela me serve de um suco de tom alaranjado, acho que é de cenoura com couve, sempre fez essa bebida para a gente, eu e Louise quando éramos pequenas, devagar eu bebo, e confesso que tem um gosto bom. Depois me entrega um pedaço de torta, fico observando a fatia, tudo parece muito real.

O INVERNO ME TROUXE VOCÊ Onde histórias criam vida. Descubra agora