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"Vejo que a Caçadora abriu mão de sua marca."

Era injusto que ele estivesse de bom humor, pensou Alina. Ele se referia a capa vermelho escuro. Para a viagem, cobrindo a armadura, ela vestia uma capa surrada, que a criada havia lhe dado dias atrás, em um tom de marrom nada atraente, que a fazia pensar em fezes humanas.

"Vejo que percebeu que sou mulher, capitão." O humor de Alina estava péssimo.

Desde que haviam partido do palácio e saído dos domínios do reino, pela manhã, eles cavalgavam calados e lado a lado. Mesmo vestido naquelas roupas simples, o capitão não parecia um civil comum. Seu corpo moldado para luta não passava despercebido.

Ele percebeu que ela se remexia sobre o garanhão preto. "Te incomoda estar sob a insígnia dos dois dragões?" Uma isca.

"Eu pareço mais com um estandarte do que com a caçadora da rainha." Xingou a si mesma por não ter vestido algo mais confortável.

"Eu discordo. Você parece uma guerreira." Ele não pareceu se dar conta do que havia acabado de falar. Mas o humor dela insistiu em considerar aquelas palavras um insulto.

Então ele estava a fim de conversar. "Há quanto tempo você serve à ela?"

"Há três gerações." Ele estava receptivo. Bom.

Ela arqueou as sobrancelhas, impressionada. "Você não parece tão velho."

"E não sou." Por que ele estava falando aquelas coisas para ela? Alina começou a desconfiar. "Meu avô e meu pai, eram capitães da guarda dela, muito antes de eu nascer."

Alina fisgou um detalhe e resolveu jogar uma isca para ele, "Ela é uma rainha bruxa bem... antiga, então."

"A bruxa mais poderosa de todos os reinos." Alina ainda se impressionava com a declaração explícita de poder daquela mulher. Como um ser humano detinha tanto poder nas mãos? Parecia impossível. "Por isso é a rainha."

Ele estava disposto a falar e ela não sabia por quanto tempo aquela disposição duraria. Resolveu testar aqueles limites, mais um pouco. "Então, você está dizendo que ela é rainha porque é a bruxa mais poderosa e não, porque tem direito ao trono?"

Ele hesitou. Pareceu a pergunta errada a se fazer.

"Aquela garota não é uma ladra." Ela desejou que pudesse voltar atrás na pergunta que havia feito. Ele ainda parecia indiferente.

"Como assim?" Disse a primeira coisa que veio à cabeça.

"Fui informado de que foi até as masmorras antes de vir." Mesmo ela olhando para o caminho à frente, sentiu o capitão analisando-a, para ver como estava reagindo àquela conversa.
Ainda olhava para ela quando continuou, "Vi como vocês duas pareciam... íntimas. Ela não é só uma ladra, parece ser uma pessoa importante para você."

Alina tomava muito cuidado com cada músculo facial que movia. Mostrar uma reação diante daquelas informações era o mesmo que lhe dar uma lista com todos os pontos fracos dela.

Se voltou para olhá-lo bem nos olhos antes de confrontá-lo, "É por isso que está sendo bonzinho comigo hoje, capitão?" E sustentou o olhar dele.

Ele desviou o olhar primeiro, antes de dizer em um tom mais baixo, "Algumas pessoas podem ser a nossa maior fraqueza enquanto estiverem vivas, Caçadora." Aquilo parecia... Tristeza? Como ela não respondeu, continuou, "Foi burrice, levá-la para as masmorras da rainha."

"Por quê?"

"Ela pode usá-la para controlar você."

Indiferente, Alina declarou, "Aquela garota nas masmorras, é apenas uma ladra amaldiçoada para ela. Não tem nada a ver comigo."

"Ela pode vir saber. É uma questão de quando." Ele avisou. Os pêlos de sua nuca se arrepiaram. Alina não pensou direito ao sair do reino deixando Tam nas masmorras, bem debaixo do nariz do inimigo. Deveria ter pensado em outro modo de mantê-la segura.

Frustrada consigo, começou a cuspir baboseiras sobre orgulho. "Não preciso que ela me controle. Estou aqui porque quero ser associada à ela. Quero ser, A caçadora da rainha." Falou quase que com a mesma entonação que a rainha havia usado. Como se fosse algo maravilhoso. "É um prazer estar aqui e sujar as minhas mãos por ela, capitão." Seria algo que um caçador desesperado por fama e naturalmente egoísta, falaria. Então estava no caminho certo.

O capitão pareceu engolir aquelas palavras como mel. Exibia um sorrisinho em seu rosto ridiculamente bonito.

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