Chegando ao quarto, Alina se deparou com uma das cenas que ela duvidava que diretores de filme de comédia conseguiriam reproduzir.
A mulher, deitada cama e se contorcendo de dor, agarrava os lençóis, com uma força que Alina pensou que os rasgaria. Quase sentiu pena dos lençóis se não fosse por outro grito de gelar a espinha. Ela se voltou para o homem jogado no chão, desmaiado.
Mesmo com a sensação de que era errado naquele momento, ela riu. Outro grito de dor e o sorriso evaporou. Se ele estava desmaiado e não havia mais ninguém ali além dela, nesse caso, caberia a ela realizar o parto.
Mas nem por um caralho. Ela correu em direção ao homem caído e começou a sacudi-lo e estapeá-lo. "Vamos. Acorda seu dragão de merda." Tapa, sacudida e tapa.
Ele acordou e Alina não perdeu tempo, "Você tem que ajudá-la."
Ele ainda parecia recobrar consciência, quando perguntou, "Quê? Mas como? Você é que é a mulher aqui..."
Alina o estapeou com vontade.
"Você é louca?!" Ele estava exasperado.
"Foda-se se eu sou mulher. Ela é a sua esposa." Ela apontou para a mulher agonizando na cama e bagunçando os lençóis. "E é o seu filho que vai nascer." Ela se levantou, o encarou de pé e declarou, "Você vai levantar sua bunda de dragão do chão e vai se posicionar entre as pernas da sua mulher."
Com as laterais da face, vermelhas de tantos tapas que havia levado, ele olhava assustado para ela.
Ela explicou, "Eu vou lhe dizer o que tem que fazer." O que Alina sabia sobre partos foi o que ela aprendeu assistindo filmes e séries de tv.
Ela começou a repitir o que as pessoas dos filmes pediam, "Precisamos de muita água e eu acho que..." Levantou o olhar para rosto do homem que havia acabado de se levantar e optou por demonstrar que sabia o que estava fazendo. "Água estocada e panos. É disso que vamos precisar."
"Posso conseguir a água, mas não panos." Ela olhou para a careta de dor da mulher e lembrou do lenço que Asher lhe entregou.
"Vá buscar a água. Rápido." Quando ele estava a caminho da porta, ela lembrou, "E volte com as mãos bem limpas."
Ele saiu e ela foi até seu quarto, buscar o pano que deveria ser destinado à enrolar a cabeça da mulher e não uma criança.
Ao voltar ela viu que ele já estava lá, segurando as mãos da mulher e olhando em seus olhos. Ele estava falando com ela. Chegando mais perto ela a encarou e Alina ficou sem palavras. Seus olhos eram de um azul tão humanamente impossível quanto os olhos verdes daquela bruxinha. Pareciam ter luz própria. O que é preciso para nascer com um par de olhos desses? Ela se contorceu de dor, despertando Alina.
"Você." Ela apontou para o homem dragão. "Fique entre as pernas dela." Com ajuda dela, ele se colocou de joelhos ao pé da cama, levantou o vestido da mulher e abriu-lhe as pernas.
Alina deu uma espiada e traumatizada com o que viu, se voltou para a mulher, "Imagino que esteja doendo...
Entredentes, a mulher expôs o fato, "Você não imagina."
É verdade. Aceitando a declaração ela continuou, "Você precisa fazer força."
A mulher concordou e começou a empurrar.
Para o homem dragão ela disse, "Quando ver uma cabeça saindo, não puxe, apenas segure a criança." Ela torceu para que fosse assim que os partos aconteciam.
"Força, senhorita." A assassina treinada na Academia de Balé, acostumada a fazer serviços que ceifavam vidas, se viu torcendo por um nascimento.
"Eu acho que está vindo." Ele sorria feito um idiota, "Força, querida!"
Por um breve instante, Alina desejou ter alguém torcendo por ela. Deu mais uma espiada à contra gosto. Foi quando ela viu a criança saindo e percebeu que, de um jeito muito bizarro, aquele era um fenômeno bonito.
Era um menino e ele segurava a criança chorona como se fosse uma bomba prestes a explodir.
"Segure a criança direito, seu idiota." Alina o repreendeu.
Ela olhou para o cordão umbilical. Ah, isso. Ela teria que cortá-lo. Mas com o quê? Um brilho no canto de seus olhos chamou sua atenção para a espada. Vai ter que servir. Molhou e esfregou cuidadosamente a lâmina, limpando e quando estava convencida de que estava bem limpa ela se voltou para ele.
Quando ele levantou os olhos do bebê em seus braços e olhou a guerreira, sentiu o mais puro terror tomar seu coração e sua magia agitar, enfurecendo a besta dentro dele. "Não."
"Eu não vou matá-lo." Tentou acalmar aqueles olhos enfurecidos. A criança berrou mais alto e mais forte. "Preciso cortar o... ligamento." Se ela falasse cordão umbilical ele provavelmente não entenderia.
Ele olhou para o cordão que ainda ligava à criança à mãe e acenou.
Ela se preocupou com a sensibilidade do cordão, não queria que ele sentisse dor.
Após testar, apertando forte o cordão, ela não percebeu nenhuma variação no choro da criança. Depois de ter medido uma distância segura do bebê, ela usou a espada metodicamente e com responsabilidade.Em seguida, ajudou a enrolar o bebê no pano, deu instruções ao homem dragão de como segurar a criança, cortou o resto do cordão, abaixou as pernas e o vestido da mulher e limpou as espadas. A mulher acalmava a respiração e parecia exausta.
"Não, não, não." Ela foi até a cabeceira da cama. "Você teve cem anos para descansar, não vai dormir novamente."
Ainda de pálpebras pesadas, ela encarou Alina. "Quem é você?"
Caçadora ou Alina? "Uma pessoa que precisa de respostas."
"Não sei quem é você." Alina desejou que pelo menos vez na vida, encontrar alguém que não fosse tão complicado de lidar.
Não pensando em outra alternativa, optou por dizer a verdade. Precisava que aquela mulher confiasse nela. "Vim matar você à mando da rainha. Ela quer sua cabeça."
"Mas você não me matou." Ela disse.
"Não." Alina confirmou. "Como eu disse antes, sou uma pessoa que precisa de respostas."
"O que você quer saber?" Ela pareceu não se importar com a resposta para essa pergunta.
"Tudo. Quero saber o que você sabe sobre a rainha. Quero saber o porquê ela quer você morta. Quero saber como está viva mesmo depois de cem anos." Alina fez uma pausa, eram tantas perguntas. "Quero saber o que aconteceu há cem anos atrás."

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Um Conto Kyoban
Fantasy"Cada momento que se passava, as batidas de seus corações se aceleravam, a tensão se acumulava nos músculos e seus corpos se preparavam para o desconhecido. Tam não conseguia pensar em mais nada a não ser ir e voltar, viva. Alina estava preocupada c...