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Alina concluiu que o capitão da guarda da rainha era uma pessoa que sempre acordava bem disposta e de bom humor.

Ao saírem da estalagem, pouco tempo depois que sol havia nascido, ele cavalgava aparentemente, tranquilo. Ainda alerta para as pessoas que passavam pelo caminho, mas ainda sim, descansado. Ao contrário de Alina que passou a noite se revirando naquela cama imunda e fedida. Pelo pouco tempo em que conseguiu fechar os olhos, as imagens que sua mente lhe mostrava eram de dragões e de uma rainha poderosa que encontrava Tam nas masmorras e a torturava. Ela culpava a si mesma e à sopa servida no jantar.

Alina relembrou a conversa que eles dois tiveram no dia anterior. "Você disse que seu pai e seu avô haviam servido à rainha. Mas... e sua mãe?"

"Morreu, dias depois depois de eu ter nascido." Alina não esperava por uma resposta como aquela.

Sem pensar em mais nada ela disse, "Nossa, eu sinto muito."

"Por quê? Tenho certeza de que você não teve nada a ver com a morte de minha mãe, Caçadora." Alina retirou a conclusão de que ele era uma pessoa matinal. As aparências enganavam muito bem, ao que parecia.

Resolveu tentar mais uma vez, "Então, ser capitão da guarda de vossa majestade é uma posição passada de pai para filho?"

Ela rezou aos deuses para que ele respondesse dignamente.

"Por quer saber, Caçadora?" Nossa, ele realmente me odeia. Como não tinha resposta para isso, ela apenas deu de ombros.

"Sim e não. Tudo depende de quem está no trono." Então, pensava Alina, se ela quisesse poderia ter nomeado outro soldado. Alina pensou na lealdade que o avô e o pai dele deviam ter mostrado para com a rainha, para que ele ainda permanecesse naquela posição.

"Você não tem esposa?"

Ele estancou. O cavalo dele se agitou. Asher se voltou para ela com uma extrema curiosidade aparente, perguntando logo depois, "O que realmente quer saber, Caçadora?"

Alina parou também e percebeu que nem ela sabia porque havia perguntado aquilo. Ela abriu a boca, porém não sabia o que dizer.

Ela deu de ombros novamente. Só que dessa vez, tentou mostrar desdém.

Ele suspirou e respondeu à contra gosto, "Não tenho família, se isso realmente lhe interessa."

Alina sentiu vontade de se socar. Tantas perguntas para fazer e você me vem com essa de esposa.

Depois de um tempo cavalgando em silêncio, Alina reformulou algo para dizer em sua defesa, "Eu só o considero muito leal à rainha."

Silêncio.

Esse silêncio perdurou até o meio dia, que foi quando a barriga dela roncou muito alto. Ela engoliu o pedido de desculpas que estava na ponta da língua. Não devia desculpas à ninguém por seu corpo sentir uma necessidade básica.

O capitão declarou em voz alta. "Vamos fazer uma pausa para comer."

Alina quase pulou do cavalo, agradecendo às suas tripas por terem gritado de fome. Aquele homem parecia ser feito de ferro e ódio.

Alina desejou que ele não tivesse trazido os restos da janta ou então, ela teria que aderir à refeição dos cavalos: capim.
Aliviada por não ser aquela sopa, viu que era bolo e alguns pães. Revoltada, ela se perguntou como ele esperava que ela ficasse forte para lutar com o dragão, comendo comida de padaria. Ela desejava um pedaço de carne bem suculento e mal passado. Ela queria uma salada com tudo que tinha direito. Queria um copão de suco bem refrescante. Até um hambúrguer cairia bem agora. Alina odiava hambúrguer.

Como não estava em casa, onde tinha acesso à fast food, supermercado e microondas, resolveu sacrificar suas preferências, almoçando pão e bolo.

Cavalgaram e cavalgaram. Alina se sentia assada e enjoada.

"Estamos perto." Ela se virou e viu que ele fitava o caminho à frente. Eles adentrariam outra floresta. "É depois da Travessia das Corujas." Aquele deveria ser o nome. Mais verde. Mais árvores. Mais caminho para cavalgar.

Ela queria se sentir pronta. Mas não.
Passando pela Travessia das Corujas seu coração se acelerava. Ela desejou encontrar aquele ponto de equilíbrio que sempre se agarrava quando fazia algo perigoso à serviço de Chefe. Desejou escavar o fundo de sua preparação e de seu ser, até que encontrasse a assassina treinada. Queria balançar essa assassina pelos ombros e estapeá-la até que acordasse e conseguisse ao menos ficar de pé. Mas a assassina parecia hibernar, dando lugar à Alina civil. Essa Alina era apenas uma mulher normal.

Seu corpo queria puxar as rédeas do cavalo, fazê-lo dar meia volta e sair galopando à toda velocidade, na direção contrária a que estavam indo.

Passando pela Travessia das Corujas, eles se encontravam em um grande espaço aberto, próximo às montanhas.

Apenas um portal feito de pedras e em ruínas.
Não havia nada ali.
Nenhuma construção.
Do outro lado do portal só se via as montanhas.

Prestes a perguntar se estavam no lugar certo o capitão disse, "Chegamos."

Ela decidiu perguntar, já que nada ali estava fazendo sentido para ela. "Tem certeza?"

Ele fixou o olhar em um ponto no chão. Como se vasculhasse sua memória.
As palavras dele a atingiram.
Eu sou o mapa do qual você não poderá se desfazer.
Ela, a bruxa, havia colocado o mapa dentro da cabeça dele.

Ele desceu do cavalo e foi até o portal. Estendeu uma mão, tentando atravessar.
Sua mão bateu em algo invisível e a paisagem, do outro lado do portal, pareceu tremeluzir.
"Magia. Está enfeitiçado. A não ser que você seja uma bruxa, não conseguiremos passar."

Não, pensou Alina, ela não me mandaria aqui se não soubesse que posso entrar.
Ela lembrou da rainha.
Ouvi dizer que você é imune à feitiços.

"Deixa eu tentar." Desceu do cavalo e caminhou até o portal, com as mãos estendidas. Sua mão passou pelo que parecia ser um véu invisível e desapareceu do outro lado. Ela olhou para ele.
"Você terá que me esperar aqui."

Ele não gostou da ideia. Deu meia volta e foi até o seu cavalo. Pegou um pano sujo e entregou à ela. "Mate o dragão e traga a cabeça da mulher que dorme. Palavras da rainha. Volte aqui sem a cabeça daquela mulher e eu voltarei com duas cabeças para vossa majestade. A dela..." Ele apontou para além do portal. "...e a sua. Palavras do capitão da guarda da rainha." 

Alina estava impressionada com a ameaça.

"Sem problemas, capitão." Alina pegou o pano que lhe estendia. "Estou ansiosa para ouvir me chamarem de Caçadora da rainha." Ele não parecia entender sarcasmo.

Eu tenho que parar de me meter nessas coisas, pensou ela, talvez devesse me aposentar.

Dito isso, ela se virou e atravessou o portal, mergulhando outra vez no desconhecido.

Um Conto KyobanOnde histórias criam vida. Descubra agora