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Dia de descarregamento.
Um dia de estresse e tensão.

Ela olhou para a pintura à sua frente. Estava ficando bom e o melhor de tudo: estava quase acabando.
Espiou o relógio redondo na parede,  calculando o tempo que ainda lhe restava  antes de sua mãe chegar do plantão.
O que iria dizer para ela?
Que mentira iria contar desta vez?

Algumas pinceladas minuciosas requeriam uma extrema atenção e um domínio absurdo do pincel em seus dedos.
Concentrando-se na finalização da pintura, parou de pensar por alguns instantes.

"Ainda não acredito que você vive da venda desse tipo de arte." Foi apenas um sussurro ao pé do ouvido, mas ela se sobressaltou.

Enquanto olhava para ver se não havia borrado alguma pincelada, riu e sem responder à provocação da mãe, olhou novamente para o relógio que jurava ter visto há apenas dois segundos atrás. Haviam se passado duas horas e sua mãe chegara do plantão há uma hora atrás. Chefe detestava atrasos.

"Esse tipo de arte, mãe, me ajuda a dividir as contas do apartamento com você além de, é claro, me ajudarem a comprar tudo o que eu quiser." Falava enquanto se levantava, recolhendo os pincéis, potes de tintas, cobrindo em seguida, a pintura com cuidado. "E sim. Ainda tem gente que aprecia a arte de pintar plantas e animais sem se mexerem."

"Como?" Elas sempre voltavam àquela conversa. "Sem querer desmerecer o seu trabalho querida," A senhora vai desmerecer sim, pensou. "mas as pinturas das fadas são tão mais populares e rendem milhões todos os anos. Você deveria tentar outro tipo de arte. Sua habilidade com as mãos é notável."

Parecia ser algo óbvio. E era.

As pinturas das fadas tinham magia. Não eram só pinturas, como as de Alina. Faziam maravilhas onde os compradores as penduravam. Já havia visto pessoalmente como aquelas artes funcionavam. Em uma visita de entrega, um quadro enorme pendurado na parede da sala de estar, exibia uma pintura em que as folhas das árvores se mexiam, movendo a luz do sol que passava por entre os galhos e chegando mais perto, por curiosidade, ela podia jurar que notou alguns animais à espreita.

"Não sei se a senhora percebeu, mas a sua filha não é uma fada."  Levava a pintura até a janela, posicionando-a ao lado da televisão, onde os primeiros raios de sol incidiriam na manhã seguinte. "E eu não acredito que a senhora usa seu tempo livre para assistir o canal de investimentos."

"Eu só deixo a tv ligada." A mãe tentou explicar, enquanto mexia nas panelas que ferviam o jantar. Cozinhar era o hobby dela. Alina sabia que aquele hobby a acalmava após um longo dia de estresse no hospital.

"Outro dia eu fui abrir o notebook e mostrava uma pesquisa de 'quanto está valendo um pop em euro'. Mãe adimita,  senhora está cansada de usar jaleco e quer usar terninhos com aqueles coques e saltos altos." Pop era a moeda das fadas.

"Está mentindo. Eu não pesquisei isso. Amo meu trabalho e admita você, que é uma péssima mentirosa." Ela riu, mas sabia que a mãe não reconheceria uma ótima mentirosa nem se ela fosse a filha que estava lhe beijando as bochechas e saindo em seguida, para para o banho.

Voltando para a cozinha ela pergunta, "Já está pronto?"

"Quase, mas você pode ir preparando a mesa."

A TV estava ligada no noticiário que relatava sobre o índice de criminalidade nos bairros de população majoritariamente de orcs.

A mãe, escutando o noticiário, parecia indignada quando comentou, "Não sei porque ainda existe tanto preconceito com os orcs. Eles não fazem tanto mal assim e nem sequer são mágicos."

Um Conto KyobanOnde histórias criam vida. Descubra agora