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Eles cavalgaram o resto do dia e ao cair da noite, avistaram um pequeno vilarejo. Alina agradeceu aos deuses de plantão por não precisar montar cabanas e dormir no meio do mato. Era provavelmente o que teria de fazer caso não encontrassem aquele lugar.

Pararam em frente uma construção que ela supôs ser uma pousada e amarraram os cavalos.

"Acho melhor você ficar aqui, vigiando os cavalos. Vou ver se eles têm quartos disponíveis." Ele tirou algo de dentro de uma das bolsas e entrou na estalagem. Alina ficou esperando.

Depois de um tempo ele voltou. "Consegui dois quartos." Ele começava a desamarrar as bolsas e ela se voltou para seu cavalo, fazendo o mesmo.

Ao entrar, ela viu que alguns olhos se voltaram para ela. Muitos olhares de raiva que iam do seu peito, até o seu rosto e depois voltavam. Olhou para baixo e viu que o modo como segurava a bolsa à sua esquerda, havia feito com que a capa fosse para trás do ombro, descobrindo aquele lado da armadura. Eles olhavam com raiva para os dois dragões em seu peito. O capitão falava com a balconista, algo sobre estábulo e comida para os cavalos. As pessoas não tinham medo de encará-la.

O capitão subiu as escadas e ela foi logo atrás. Ao chegarem nas portas dos quartos, ele colocou as duas bolsas no chão e se voltou para ela, lhe entregando uma chave. Depois que abriu a porta do próprio quarto ele disse, "Acho que vai querer trocar de roupa se for descer para o jantar." Ele a olhou de cima a baixo, antes de se abaixar para pegar suas coisas e entrar no quarto.

Alina estava parada ainda segurando sua bolsa, ali no corredor, com a porta do seu quarto ainda trancada, enquanto pensava consigo. Aquela expressões eram de raiva. Ódio. Ódio do reino ou de sua rainha? Ela detinha o poder há mais de três gerações, como havia dito o capitão Asher. Tempo demais.

Sua barriga roncou, despertando-a de seus pensamentos. Ela destrancou a porta do quarto e entrou. Era pequeno, mas aconchegante. Resolveu não pensar muito em quem havia dormido naquela cama ou que já havia acontecido por ali. Antes de se despir, começou a procurar em sua bolsa algo para vestir. As criadas da rainha eram muito atenciosas. Haviam roupas limpas ali. Roupas daquela época. Alina começou a se despir e depois de estar completamente nua no meio do quarto, ela tentou juntar algumas peças de roupas. Dois dias no palácio, ela descobriu que as roupas daquela época tinham uma vantagem: não haviam sutiãs ali. Existiam os espartilhos e Alina logo escolheu o que mais lhe agradava.
Revirando a sacola Alina o encontrou e sorriu.
Depois de colocar uma calça confortável, uma camisa branca um pouco folgada e seu espartilho favorito, ela escutou uma batida na porta. Provavelmente, o capitão. "O que foi?" Ela gritou.

"Você vai descer para jantar?" Sua voz soava abafada atrás da porta.

"Sim, só um momento."

Ela procurou pelos sapatos e após calçá-los, desfez a trança, penteando os fios e abrindo a porta logo em seguida.

O capitão a esperava encostado na parede. Olhou de relance para ela antes de descer as escadas com Alina no seu encalço.

Sentados em uma mesa, ele pediu a comida. Mesmo de cabelo solto, algumas pessoas ainda se viraram para vê-los. Expressões nada felizes. Alina tentou se esconder entre seus fios pretos, até a comida chegar.

Uma tigela havia sido colocada à sua frente. Alina encarou a comida e depois olhou para o capitão. Ele não parecia se importar com a procedência duvidosa daquele jantar. Alina olhou de volta para a tigela. Estava fumaçando e tentou ao máximo não pensar nas mil possibilidades de animais que poderiam estar ali, dentro daquela tigela, boiando em um caldo cor de cocô de bebê. Ela cheirou disfarçadamente e se arrependeu no mesmo instante. Sua barriga roncou de novo e o capitão levantou o olhar de sua sopa, parando a colher à caminho da boca. Ela riu nervosamente enquanto pegava um talher, tentando não pensar em como lavavam aquelas coisas. O capitão voltou para sua sopa. Alina pensou em Tam. Com certeza ela comia coisa pior nas masmorras. Se Tam aguentava, ela também aguentaria. Evitou pensar em infecção intestinal enquanto a fome fazia a sopa ter gosto de miojo de galinha apimentado.

Enquanto Alina comia, do outro lado da mesa, Asher se incomodava com a facilidade que seus olhos tinham de se fixar na Caçadora.

Ele preferia ela vestida com a armadura preta, assim não precisava evitar de ficar olhando, várias vezes, para a faixa de pele que aquela camisa branca, perigosamente folgada, exibia. Por deus, as criadas devem ter errado o tamanho, pensou ele. Um erro muito atraente.

Alina tinha sobre a pele uma fina camada de suor, que a fazia brilhar sob a luz daquele cômodo. Ou Asher teria que começar a pensar sobre a composição daquela sopa ruim ou as coisas ali começariam a ficar duramente difíceis para ele.

Algumas pessoas começaram a deixar a estalagem e eles continuavam a tomar a sopa sem pressa. Esse deve ser o gosto da maldade, pensava ele enquanto engolia. Algumas colheradas depois, para o desespero de Asher, Alina se incomodou com o cabelo e quando ela levantou os braços para amarrá-lo, ele, inocentemente, teve um vislumbre do paraíso. A camisa dela, que já estava folgada, formou um V mais profundo sobre os seios, dando à ele uma vista privilegiada de mais pele suada. Então ele começou a se engasgar com a maldita água suja, que se atreveram a chamar de sopa de galinha.

O capitão tentava conter uma tosse quando Alina o olhou, se perguntando se ele morreria ali. Ela sabia que aquela sopa iria matar alguém. Só não passou pela cabeça que seria o capitão. Ela resolveu perguntar, "Está tudo bem, capitão?"

Não, ele pensou. "Sim.", disse em meio as últimas tosses.

Após ter se recomposto, olhou de relance, mais uma vez, para a Caçadora. Naquela noite, o capitão Asher concluiu que estava cometendo erro seguido de erro. Cada um pior que o anterior. Seus olhos se recaíram sobre os lábios dela. Entreabertos, eles estavam molhados e inchados, pois tiveram a infeliz ideia de apimentar aquela... coisa. Uma parte de Asher se agitou e ele desejou que fosse seu pé. Mas, com certeza absoluta, não havia sido o seu pé. Aquele jantar estava sendo uma prova de fogo para ele. Teve que repetir mentalmente e diversas vezes, que ele era o capitão da guarda da rainha e ela era uma caçadora, ladra e assassina por contrato, à serviço da rainha. Ele fazia questão de enfatizar a parte do "ladra e assassina" para tentar convencer suas partes mais masculinas, de que era uma péssima ideia se agitar daquele jeito. Por deus, isso aqui é um jantar.

Para a alegria de ambos, eles terminaram a sopa.

Alina prometeu a si, que quando voltasse, nunca mais reclamaria do hambúrguer do McDonald's. Então se levantou, desejou boa noite ao capitão e foi para as escadas.

Asher prometeu a si, que só levantaria daquela mesa quando as suas coisas se acalmassem.

Talvez ele levantaria daquela mesa, só na manhã seguinte.

Um Conto KyobanOnde histórias criam vida. Descubra agora