01. Neve Vermelha

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Sioux Falls, Dakota do Sul, Estados Unidos.
25 de janeiro de 2004

PRÍNCIPE DÉRIKO II
(Frank Leroy)

Tarde

    Estou aflito. Mais do que deveria, bem mais. Passa do meio-dia, mas sei que Louise está ciente do nosso horário. Louise não... Christina. Christina Leroy. Não me acostumei com nossos nomes falsos até hoje. Arrumo nossas malas enquanto dou pela milésima vez uma última checada na casa. Uma peça de roupa, depois desço as escadas, vou até a cozinha, espio a rua pela fresta da janela da sala. Subo as escadas e coloco mais roupas nas malas e mais coisas nas caixas de papelão, previamente catalogadas pela minha esposa. A ansiedade que nunca tive (nem poderia ter) me perturba desde o telefonema de Tuski na noite anterior.
    Tuski, meu grande amigo e considerado irmão por mim. O conheço desde sempre. Quando criança, brincava com ele nas colinas esmeraldas de nossa terra. Pregávamos peças nas centradas anciãs (lembro até hoje do duro castigo que levei do papai por isso. As consequências para Tuski provavelmente foram bem piores. Não tinha um pai tão... Brando), comíamos gíamos direto do pé. Não pude me conformar quando soube por Louise que gíamo não é uma fruta que exista no Mundo Externo, mas tive que aceitar. Meu amigo e eu tivemos um início de adolescência não muito suave ou fluido. Ele começou a ser preparado pra ser sucessor de seu pai, que era e ainda é General das tropas tamasianas. Falando assim parece fácil. Não existia cara mais durão, ríspido, inexpressivo, e de certa forma melhor do que Saulo, "O Comandante". Não era um exemplo de pai afetuoso, mas só acho que ele não conseguia se expressar. Sua esposa, Kássia, hoje em dia é uma grande professora na Academia Artrópode Artêmesis. Muito respeitada.
Já eu, bem... Longa história. Ok, na verdade não. Só não deixamos nossas responsabilidades nos afastarem. Acho que isso é o segredo de uma amizade: companheirismo, não importa a situação.
    Comecei a ser preparado pra valer para suceder o meu pai. O "Grande Rei de Tâmasus, Dériko I! Saúdem!" Argh! Nunca me interessou ser Rei daquilo. Me tornei... informal demais (a situação pela qual saímos de Artrópota necessitou de uma vida mais humorada, do contrário, enlouqueceríamos). Meu pai não. Era um homem imponente, respeitoso e justo. Seu rosto transmitia paz e firmeza. Era um exemplo. Por essas e outras, não poderia sucedê-lo. Não estava no mesmo nível. Minha mãe, A "Grande Rainha de Tâmasus, Kiara I! Saúdem!" (nunca vou deixar de zombar disso, tendo a idade que for), era um doce até certo ponto. Era bem mais extremista do que meu pai, mas era igualmente boa e gentil. Saía às compras no centro como qualquer outra plebeia. "Sou uma plebeia desde sempre", dizia ela, "E não é pelo título de Rainha que vou deixar de ser!". Mal sabia ela que não seria esse título o que atrapalharia sua convivência em sociedade...
    Meus irmãos, Ciara e Elói, assim como eu, tivemos uma ótima base familiar. Não éramos só uma "Família Real". Éramos uma família de verdade. Sendo trigêmeos, acredito que nossa união e lealdade se dava por esse laço tão próximo e íntimo de sangue. Sinto saudades dos tempos em que tínhamos 15 anos e que Ciara, a mais sonhadora de nós, Elói, o mais explorador, e eu, o mais responsável, descobríamos coisas e pessoas novas, como quando, entre outras histórias, conhecemos Alvin Alonzo, um amigo que Elói fez em Scorpion Place. Tuski também ia conosco, mas não com a mesma frequência (sempre teve medo de seu pai descobrir uma possível amizade dele com um Escorpião, embora hoje sejam o braço direito um do outro). Meus pais, principalmente mamãe, sempre desconfiaram dele por conta da origem. Mas o passar dos anos fez a confiança brotar entre eles e Alonzo se tornou um honrado Tropo. Havia também Eleonor, nossa prima, filha da irmã de mamãe, Elizabeth. Ela era bem mais próxima de Ciara, embora fôssemos todos muito unidos. Hoje é uma Tropo Auxiliadora de Artêmesis.
    Mas, como nem tudo são flores de lírio, meu coração se aperta de ódio a cada vez que recordo de Tafra Aranha ter entrado em nossas vidas através de Alonzo. Não por culpa dele, claro. Tafra foi dissimulado, manipulador, oportunista. Me conforta saber que ele vive hoje nas profundezas das masmorras de Tâmasus.

Artrópota: Árvore-MármoreOnde histórias criam vida. Descubra agora