Metrô

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A cena toda com a Lucy foi tão desagradável que me deixou mais alerta. Mas eu mal esperava pela frase que a Camz soltou, totalmente enciumada. Comecei a rir e a sua falta de entendimento deu ainda mais graça àquilo. Tinha que explicar tudo para ela, mas antes precisava parar de rir.

- Ai meu deus - digo tentando retomar o ar. - Eu nem me lembrava disso mais! - Ela continua confusa. - Não te contei, mas eu acabei me lembrando do resto daquela noite depois.

- E...? - Ergue as sobrancelhas inquisidoramente.

- E a Lucy começou a tentar me seduzir, mas ela mal provocou e eu dormir - aí foi a vez da Camila rir.

- Mas... - ria e ficava confusa. - Como pode ser tão ruim assim? - E ria mais.

- Pra você ver que me fisgou mesmo ein.

Pov Camila

Sorrio encantada com a frase que a Lauren me diz.

Chega ser até difícil de acreditar que ela resistiu à Lucy. Mesmo odiando a peça, tenho que admitir que ela não é de se jogar fora - ou não era.

- Tenho meus métodos - pisco convencida para ela e nós rimos e caminhamos como naquele dia em que ela descobriu meu nome. Lembrar-me desse dia deixa uma sensaçãozinha chata, mas já passou.

- E que métodos... - a Lauren deixa escapar depois de uns instantes.

- Então você gosta... - paro e passo os braços por seus ombros.

- Como não? - Pisca para mim e me dá um beijo calmo. Apenas balanço a cabeça negativamente para ela, sorrindo.

Caminhamos mais, conversando sobre tudo e sobre nada, como se a cidade fosse nossa. Finalmente acho que encontrei meu lugar.

- Você quer mesmo cursar a faculdade? - Pergunta de repente.

- Sim, quero. Eu só acho que, sei lá, talvez eu esteja velha demais pra isso. Já era pra eu estar me formando.

- Nada disso, nunca é tarde pra isso - me assegura. - E eu te apoio totalmente.

- Ai de você se não apoiasse! - brinco. - Então acho que a faculdade de jornalismo me espera.

- Claro que espera - incentiva e eu fico feliz por isso.

E nessa calma segue nossa noite. Fico sonhando com a faculdade e ela fica me contando sobre seus anos acadêmicos.

Sinto falta de ir à praia, de ver o sol nascer ou se por. Mas ao mesmo tempo sinto medo de ir até lá outra vez. E resolvo que é melhor não. Não por agora.

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No sábado acordamos quase na hora do almoço e nenhum de nós está disposto a cozinhar. Fazemos apostas, mas a perdedora - no caso, a Lauren - sequer faz menção de ir preparar algo.

- Tenho uma ideia - diz.

- Hum? - Estou morrendo de preguiça, como pode isso?

- Vamos comer no shopping, daí andamos um pouco pelas lojas, quem sabe eu te dê algo de presente.

- Como pode querer me comprar a essa hora do dia? - Rimos, mas acabamos indo tomar um banho para depois nos arrumarmos.

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- Mas como assim você não come beterraba? - A Lauren riu da minha birra de criança.

- Não comendo, uai - retruquei.

- Daqui a pouco não come mais nada - reclamou ainda achando graça.

- Ai, Lo, cala a boca e vamos comer no subway que não tem dessas frescuras - mandei e assim fizemos, mas ela não ia esquecer isso assim, claro que não.

Nós comemos sempre fazendo graça uma com a outra, um casal adolescente fora de época. Esse pensamento deixou uma dúvida martelando na minha cabeça: éramos o quê? Ri disso. Não importava. Somente éramos.

Ficamos andando pelo shopping, mas nenhum de nós queria comprar nada além de chocolates e sorvete. E dane-se se já estamos nos vinte e tantos, quem liga? Nós não.

- Não aguento mais sorvete hoje! - Me rendi, já eram umas quatro da tarde.

- Não aguenta nada - me desafiou.

- Hoje não e fique quieta - ri da postura idiota dela, nossa.

- Mandona - resmungou. - Vamos pra casa então?

- Vamos! Vamos dormir!

- Preguiçosa - se levantou e estendeu a mão para me dar apoio. Às vezes me sentia como se eu fosse de vidro e a Lauren não quisesse me derrubar no chão. Talvez eu fosse, em parte.

Como todas as coisas conspiram para a desordem da minha vida, eu vi um cara que parecia com meu tio. Fiquei paralisada no mesmo instante e a Lauren estranhou. "Está tudo bem?", ouvi a voz dela dizer há anos-luz de distância.

Comecei a olhar para todos os lados e nada. Girei o corpo 360 graus. Nada. Deve ser paranoia minha. Segurei forte a mão da Lauren e continuamos indo na direção do carro.

- Olha, se não é minha querida sobrinha - eu tenho que ter confundido a voz, a frase, tudo.

Viro-me e dou de cara com o meu inferno. Engulo em seco. A Lauren ainda está tentando entender, mas eu volto para ela e afundo o rosto em seu peito, como se aquilo me fizesse desaparecer.

- Não sabe mais falar, vagabunda? - Seu tom agora é de grosseria.

- Cara, sai daqui - a Lauren tenta manter a calma.

- Não vou sair de lugar nenhum, essazinha aí é minha sobrinha e você não tem que me dizer o que fazer - ah, isso de novo não.

Sem perceber começo a correr e saio do estacionamento do shopping. Não sei se algum deles veio atrás de mim, não olho. Apenas corro à deriva.

Instantes depois, vejo a estação do metrô e desço sem nem pensar no que estou fazendo. Meu tio me alcança com um filete de sangue escorrendo de sua boca. Segura meu braço e me manda ficar quieta. De novo não. Não pode ser.

De algum jeito me solto e me embrenho na multidão. Pulo as catracas e ouço o segurança gritar. A multidão está densa e caótica, como sempre.

Não tenho para onde ir. Me jogo nos trilhos sem nem ao menos poder ouvir direito se vem algum metrô. Do outro lado não tem plataforma, mas vejo um vão na parede. Olho para o lugar de onde vim e o monstro desce também.

Então escuto um barulho forte vindo da direção contrária a mim. E o tempo passa a correr e eu mal posso acompanhá-lo.

Bittersweet Discoveries (Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora