Espera vinho decoração

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Assim que pego meu celular pra seguir em frente com minha ideia vejo que existem furos na mesma. E ele é: eu não tenho o número para o qual quero ligar. Isso me frustra.

Sento-me na beirada da cama, mas meu quarto me deixa inquieto, o que me faz voltar para a sala.

Deitada no sofá, fico pensando. Não são pensamentos concretos. É aquele tipo de pensamento abstrato que só fica passando pela cabeça sem se fixar. Chateada ainda, com razão. E é aí que provavelmente se acende uma lâmpada acima da minha cabeça: descobri uma solução pro meu problema.

Levanto, troco de roupa, passo um perfume e recolho as chaves do carro. Paro em frente à porta e me pergunto se não estou esquecendo nada. Como, por exemplo, a dignidade ou o bom-senso. Rio desse pensamento enquanto giro a chave para trancar a porta.

Deslizo o carro pelas ruas da cidade. Gosto disso. Essa noite tem um tempo agradável: não está frio, mas há rajadas de vento ocasionais. O tempo dessa cidade é louco.

Talvez um vinho pudesse cair bem. É. Isso. Paro numa adega e compro uma garrafa de um bom vinho. Faz tempo que não bebo algo por uma descontração tranquila.

Paro em frente ao prédio da Baixinha. Penso no quão boa ou ruim essa ideia pode ter sido. Não é como se eu tivesse fazendo algo de errado. Ela tem meu número. Eu tenho seu endereço. Meio sem querer - da parte dela, claro -, mas tenho.

Olho pro porteiro, será que ele se lembra de mim? Vou descobrir agora.

- Boa noite - digo e lembro que tem outro furo no meu plano. Eu não sei o nome da bendita Baixinha. Ô diazinho fodido.

- Boa noite, Senhorita - devolve.

- Sabe aquela moça que me trouxe aqui outro dia? - acena positivamente e me sinto aliviada. - Então... Tem como avisar que estou aqui?

- Até teria, moça - me sinto murchar -, mas ela não tá aí - não me sinto tão aliviada mais.

- Faz tempo que ela saiu? - suspiro.

- Um pouco, moça.

- O senhor sabe se ela vai demorar? - Talvez saiba, não custa nada tentar.

- Ah. Sabe como são vocês jovens, não dá pra saber - parece já se dispersar da conversa.

- Obrigada - sorrio amarelo para ele.

- Não há de quê.

Volto para o carro e fico pensando no que fazer. Não estou a fim de voltar pra casa.

Quem sabe ela apareça daqui a pouco. Não custa nada esperar. E esperar. Esperar. Esperar.

Mais de uma hora depois a garrafa de vinho parece bem atraente. Porém não tenho um saca-rolhas. Talvez ela não vá aparecer agora. Mas posso esperar mais um pouco.

Meu 'mais um pouco' se transforma noutra hora mal gasta. E eu começo a procurar o que tem dentro do carro. Nada específico, apenas que distraia. Porque, sabe-se lá por qual motivo, insisto em esperá-la. Que babaquice, penso. E continuo lá esperando.

Abro o vinho com qualquer objeto que achei que pudesse enfiar a rolha gargalo abaixo. Vou bebendo aos poucos, não sei por quê, já que coloquei a boca da garrafa na minha. Isso seria nojento, se não fosse minha "única" opção.

Um par de horas depois e a garrafa começa a ficar grande demais para o líquido. 4:57 acusa o relógio. E eu continuo sem planos de ir pra casa, mas também ainda não sei por quê.

Sem querer dou uma cochilada e acordo com o vinho derramando sobre minha calça. Que merda! Deve ficar manchado. Melhor ir pra casa, penso. Mas como o universo não concorda muito comigo ultimamente, vejo um Lacinho se aproximando do prédio. São 5:32.

Desço do carro, mas ela não vê imediatamente, pois está conferindo algo no celular.

- O que você está fazendo aqui? - pergunta assim que me vê.

- Estou... hum... é... - cadê as malditas palavras? O que eu digo?

- Está...? - incentiva.

- Queria te ver - digo, enfim.

- Desde que horas? - ah não, é sério?

- Isso é importante? - tento desviar o foco.

- Sim, é. Então... - sinceridade nunca tinha sido uma coisa tão idiota a se usar como naquele momento. Mas ok, eu que pedi isso.

- Desde umas onze ou meia-noite. Algo assim - tento soar casual, como se fosse normal ficar esperando uma pessoa por cinco ou seis horas dentro de um carro.

- E aí resolveu que se banhar com vinho ia ajudar a matar o tempo? - zomba da minha falta de cuidado. E tenho que confessar que me senti aliviado por isso.

- Ah, pareceu uma boa ideia na hora - sorrio.

- Deve ter parecido - me dá um sorriso irônico. - Bom, suponho que você queira subir.

- Já que você insiste - brinco e a sigo para dentro do prédio.

Dentro do elevador sinto uma atmosfera diferente, mas não falo nada. Na verdade, quase nem me mexo. Se ela notou, fingiu que não. Talvez eu devesse ter ficado em casa.

Depois que entramos no seu apartamento ela me pede pra ficar à vontade e que espere ela tomar um banho rápido. Apenas faço que sim e me sento no sofá, o que me parece algo divino depois de uma noite dentro de um carro.

Uns vinte minutos depois ela volta vestida num shortinho jeans e uma regata preta que contrasta com sua pele e com seu cabelo. Sinto aquela química que temos pairando entre nós. Balanço a cabeça mentalmente. Não quero que ela se sinta como um objeto sexual. Porque não é.

- Posso te pedir ajuda com uma coisa? - Penso numa forma de me distrair do desejo que está subentendido entre nós.

- Talvez - arqueia uma das sobrancelhas. Acho que isso é um vício dela. Sabe, ela faz isso quando usa sua maldade. Tento não me deixar abalar. - Tente.

- Preciso mudar a posição dos móveis do meu quarto - me lança um olhar do tipo "você pode fazer isso sozinha" -, mas sou uma péssima decoradora - concluo. Boa ideia, eu acho. Preciso me livrar de certas lembranças desnecessárias.

- E você acha que eu sou uma boa decoradora? - faço que sim com a cabeça. - O que te faz pensar isso?

- Seu apartamento está bem organizado - digo simplesmente.

- Ok - cede. - Quando?

- Para ontem! - rimos da urgência na minha voz. Ela dá de ombros e se levanta perguntando se eu não vou, quando fico parada sem saber o que ela está fazendo.

-

Minha cama foi parar no meio do quarto, meus criados-mudos foram para onde deviam estar - um de cada lado da cama -, a mesinha em que coloco minhas coisas na parede oposta à cama e o cesto de roupa suja ficou quase detrás da porta.

Além disso, a pequena ainda me fez trocar a cortina, dizendo que a atual estava ruim. E eu troquei. Óbvio.

Nunca achei que pudesse me divertir trocando a disposição dos móveis do meu quarto.

- Ficou muito bom - me joguei na cama.

- Culpa minha - sorriu se jogando ao meu lado.

Senti uma agonia. Eu nem troquei esses lençóis. Mais essa paranoia agora, penso.

- Deixa eu trocar esses lençóis - solto, de repente.

- Por quê? Parecem limpos - estranha.

- Vai, é rápido - insisto. Ela se levanta toda confusa. Troco os lençóis e jogo os anteriores dentro do cesto de roupa suja.

- Por que você ficou toda estranha aí? - quis saber.

- Porque ontem não foi um bom dia - me deito de novo fazendo uma careta.

- Conta aí - fica curiosa.

- Você não ia querer saber - alerto.

- Quero, sim. Fala aí.

Sem querer minha boca começa a falar sobre o acontecido com a Lucy sem omitir nenhum detalhe - dos que consigo me lembrar. Fico olhando cada expressão que passa no rosto da pequena, me perguntando o que estou fazendo.

Bittersweet Discoveries (Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora