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Matheus

Chego em casa sujo de lama e tinta. Estou exausto.

Subo as escadas, ouvindo a música alta vinda do andar de cima. Passo pelo quarto de Rebecca, e desvio o olhar.

Eu era o único que tinha conseguido entrar lá. Meus pais nem chegaram perto, não quiseram mexer. Eram muitas coisas. Muitas coisas que uma pessoa tinha e de repente não as tinha mais, porque havia ido embora e não levado nada.

Seus objetos me pareciam efêmeros demais, e ao mesmo tempo, muito importantes.

Sigo para cima, porém vejo a porta entreaberta do quarto dos meus pais. Minha mãe fuma na janela, com as luzes apagadas e sei que está chorando. Ela tem feito muito isso.

- Cheguei, mãe. –Aviso minha presença, adentrando o cômodo, querendo seguir para o banheiro da suíte e tomar um banho.

- Ei, filho. Foi bom hoje? –Seu rosto se vira para mim e a lua ilumina suas lágrimas, as deixando prateadas.

- Sim, sim. Foi bem legal. –Ela acaricia meu cabelo, enquanto falo isso.

- Precisa cortar essa juba.

- Estou deixando crescer, você sabe. Onde tá o meu pai? –Mudo de assunto para ela não ter de protestar sobre meu cabelo.

Minha mãe bufa.

- Lá em cima, bebendo, como sempre.

Assinto. E estou prestes a me virar para ir ao banheiro, quando ela começa.

- Eu me pergunto, sabe, Matheus, se um dia... eu vou conseguir superar isso. É, superar eu sei que eu nunca vou, mas, seguir com a vida, sabe? A sua irmã faz muita falta, um pedaço de mim foi embora, e não deveria ser assim. Deveria ter sido eu primeiro.

Sua voz embarga e o nó na minha garganta se alarga.

- Ela ia querer que a gente continuasse, mãe. Então temos que tentar, de alguma forma, por ela.

Minha voz sai estranha, segurando o choro. Não parece eu. Nada parece eu. Nada parece certo.

Ela assente. Limpando as lágrimas.

- Assim que tomar seu banho, faz um favor para mim? –E eu já sei o que ela vai me pedir, e concordo. –Vai lá em cima e chama o seu pai para dormir. Eu não aguento mais lidar com ele desse jeito. Vai acabar caindo a qualquer momento, e machucando...

- Tudo bem, mãe.

Vou para o chuveiro, pensando que até falar com minha mãe eu estava bem. Não tinha percebido que havia passado pela sala e Becca não estava lá, assistindo Faustão e pintando as unhas, ou fazendo um bolo com calda de chocolate na cozinha. Se as luzes do seu quarto estivessem acesas, poderia até imaginar que estaria fazendo escova para ir na faculdade amanhã.

Deixo a água escorrer todos aqueles pensamentos que não levam a lugar nenhum.

Troco de roupa e subo para o terraço.

A música continua a estrondar a vizinhança e meu pai dorme encurvado na cadeira. Vê-lo tão vulnerável faz meu peito doer.

- Ei, pai. Levanta. Vai dormir na cama. –Sacudo seus braços, falando a mesma frase mil vezes, até ouvir um murmúrio mínimo vindo dele.

- Onde a gente tá? –Seus olhos ficam alertas, e olham de um lado para o outro.

- Em casa. –Respondo me agachando para ele me ver. –Vamos descer, você tava dormindo na cadeira.

O céu é para todos [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora