Capítulo vinte e nove

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A presença de Adelaide estava cada vez mais escassa ao meu quarto, e cada vez menos eu a desejava, parecia que sair do quarto me estava fazendo desejar companhias diferentes da dela, deveria me incomodar, mas a nossa relação estar cada vez mais semelhante ao que deveria ser de acordo com os padrões dos nossos títulos já não me incomodava mais, eu não a tratava mal como muitos nobres faziam, mas usava o tratamento formal.

Minhas saídas ao jardim com Salazar estavam mais frequentes e saíamos do lugar, andamos ao redor da casa, percorremos uma parte da estrada próxima, mas sempre silenciosos, uma vez o questionei sobre a nossa falta de conversa.

- Por que não está falando comigo?

- Eu não tenho nada de útil para lhe falar. - ele respondeu seco – Você têm?

- Na verdade não!

Então, caímos em um silêncio profundo que se manteve durante todos os nossos passeios, mas não era incomodo de forma alguma, lidávamos bem com aquilo. Hoje vamos fazer uma caminha da mais longa, vamos para o centro da vila, eu iria encarar o lugar que me fez ficar nessa quarentena eterna. Estava tanto tempo em recuperação e tão longe de todo mundo, principalmente do meu objetivo de resgate, que parecia que tudo acontecera em outra vida e não que foi a pouco mais de um mês.

Nunca fui muito vaidosa, mas estar usando o mesmo vestido mais uma vez para sair ao ar livre, mesmo que não visse ninguém além de Adelaide e Salazar estava me deixando incomodada, até meu penteado eu estava variando, consegui até mesmo desenvolver alguns diferentes dos poucos que eu sabia fazer, e com meu tempo excessivo no quarto pude aperfeiçoar os que já sabia fazer. Quando ele apareceu a minha porta já estava pronta e com minha varinha em punhada, peguei sua mão e aparatamos.

Estar no centro daquele lugar onde tudo aconteceu me trouxe uma sensação ruim, não me causou medo, nem me deu vontade de chorar como eu esperava, eu quase sempre chorava quando perdia meu ponto de equilíbrio, mas isso não aconteceu. Na realidade, tudo que fazia parte de mim era ódio, estava furiosa com tudo que aconteceu, sobre como vi bruxos morrerem, trouxas se sentindo superiores a bruxos e nos matando como se não fossemos nada, lembrei de minhas feridas e o porque elas estavam ali, de Heitor e de como quase o perdi para aqueles seres terríveis.

O lugar estava completamente vazio e sem vida, eram só construções vazias, não havia rastro daqueles monstros, não, eles não eram pessoas, não podiam ser. Então uma lembrança mais confusa do que qualquer outra veio a minha mente e eu nem ao menos sabia se ela era verídica ou fruto da minha imaginação, mas quem poderia resolver tal dilema estava ali ao meu lado e ele não se negaria a me dar as respostas que eu quero.

- O que houve com as pessoas? - questionei sem temer a resposta

- Você não quer saber. - ele desviou do assunto, porque disse que não mentiria para mim

- Eu quero! Preciso da resposta! - exigi

- Sua visão sobre mim pode mudar, não quero me tornar um vilão para você agora – ele suspirou – ainda não.

- Acha que eu mudaria com você? Salazar, - falei olhando para ele e exigindo o mesmo – você salvou a minha vida e a do meu aluno vindo aqui atrás de mim, não me importa o que fez, eu estou viva e Heitor também, graça a você! - eu sabia que outros participaram, mas não me importava agora – Acredite não serão trouxas que me faram odiar você. Me conte!

- Eu os matei! - ele respondeu sereno e sem remorso – Cada um dos que estava aqui, sem fazer nenhuma distinção, nem mesmo de como morriam, só não queria nenhum sobrevivente.

Desviei os olhos dele e passei a me concentrar ao redor, forçando a minha mente a trazer as memórias daquele dia, quando Godric me tirava da fogueira e eu via um vulto jogando árvores em cima das pessoas, outras sendo jogadas no fogo, todas as mortes que eu podia imaginar tinham acontecido naquele dia. Ter a confirmação de que foi Slytherin deveria me fazer temê-lo, mas como o fazer? Eu já confessara a ele que matei uma vez, e não fui julgada, por que eu o julgaria? A culpa foi minha no final das contas, se eu não tivesse ficado presa em uma fogueira ele não teria feito isso, mas... eu deveria agradecê-lo por matar? Eram só trouxas no fim das contas, nenhum bruxo, e todos eles eram crueis, mataram outro como nós e iriam me matar também, talvez conseguissem. Deveria ter piedade de pessoas que queriam me matar? Poderia desejar as suas mortes? Me tornaria má por isso? O quão humana eu poderia ser com trouxas que matam bruxos?

- Helga! - ele me chamou, ao que parece meus devaneios duraram mais do que deveriam – O que está sentido?

- Nada! - disse sincera, porque eu não conseguia nutrir sentimentos bons sobre nenhum deles, e sem os bons eu também não conseguia gerar os ruins

- E o que quer fazer a respeito disso?

- Eu não sei. Ainda há algo que eu possa fazer? - não tinha pensado sobre isso, mas com Salazar era assim, eu sempre ia além dos meus limites, me redescobria

- Não tem como salvar os mortos...

- Não quero salvá-los! - o interrompi

- Podemos ir embora se quiser.

- Eu estou bem! O que quer sugerir de verdade?

- Queimar! - o encarei intrigada com a sugestão, e seu olhar foi tão intenso que parecia ver dentro de mim – Queimar tudo o que ainda tem aqui!

Aquela era uma oferta estranha e diferente do que costumo sentir não fiquei chocada com a oferta, achei prudente e aceitável, era uma forma saudável de me sentir vingada por tudo o que tinha acontecido naquela noite fatídica. Os bruxos que estavam mortos não poderiam fazer nada, mas eu podia e iria! Não dei uma resposta a ele, fui ousada e fiz o que havia sido proposta.

Coloquei fogo na construção mais próxima. Salazar me olhou surpreso, mas havia um orgulho pouco contido ali, mas isso não teve efeito algum sobre mim, como eu achei que poderia ter. Segui para perto da construção em chamas, e pela primeira vez o fogo me chamava e não me causava medo, estava tão bem com o que estava fazendo que fui atraída a admirar as labaredas. Minhas lembranças ruins causadas pelo fogo estavam ganhando novos tons com a possibilidade de eu estar do outro lado.

Sai da minha imersão, e passei para a próxima construção, era um prazer absurdo ver tudo o que um dia pertenceu a quem me fez mal queimar. Fui ainda mais além do que eu jamais pensei ser em toda a minha vida, mas ainda assim minha mente me levou para um nível mais extremo, estava divagando sobre como seria matar aquelas pessoas, causar uma morte de forma proposital, mesmo eu estando controlada.

Andava pela vila colocando fogo em cada construção que eu via e Salazar fazia o mesmo do lado oposto, eramos dois bruxos descontrolados queimando o que um dia foi um lugar seguro para trouxas. Parecia uma insanidade o que estávamos fazendo, e talvez fosse, mas eu estava me sentindo muito melhor em saber que nenhum bruxo jamais tomaria conhecimento de que naquele lugar ocorreram mortes bruxas pelas mãos de pessoas monstruosas e que não tinham nem um pingo de magia dentro de si.

Talvez, só talvez, os trouxas realmente merecessem um tratamento diferente dos que os bruxos recebiam, afinal, não saíamos por aí matando trouxas como se fossem insetos. Afinal, seria assim tão errado matar quem iria me matar?

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