Capítulo 8

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O dia clareou comigo ainda acordada. Debaixo da cama comecei a ver os pequenos raios de sol que vinham da janela a ocuparem cada vez mais espaço no chão. Eram como os tentáculos de um polvo que se aproximavam da sua presa.

Era suposto ser outro dia, era com a escuridão com que eu me tinha de preocupar, mas ao contrário de tudo eu queria escuridão. No escuro, na penumbra talvez me conseguisse esconder.

Saí do meu esconderijo, as pernas doíam-me, a cabeça a cada movimento parecia que ia explodir. Ergui-me e uma tontura fez-me sentar na cama. Levantei-me de imediato, como se estivesse a ferver. Lembranças…nojo! Escorreguei novamente para o chão, abracei os meus joelhos. Pisquei os olhos várias vezes. Queria que as lágrimas de alguma forma chegassem, que me limpassem o corpo, as lembranças, a sujidade mental em que me encontrava…mas nada.

O banho aliviou as minhas dores musculares. Ajudou a que os passos dados se tornassem mais leves, como se parte da realidade fosse despejada no ralo…

Tami estava sentada na minha cama com um tabuleiro faustoso ao colo. Sorriu-me quando me viu. Aquele sorriso que era próprio dela, bondoso, terno e inocente. Esse sorriso foi o gatilho que eu precisava, aquele clique que fez o meu canal lacrimal desentupir. Todas as lágrimas que não caíram durante a noite, escorregavam-me agora pela face.

Evitei tocar na cama…Esqueci as dores que sentia e atirei-me para os pés da Tami, deitei a cabeça de forma atabalhoada no colo dela. O tabuleiro desapareceu por artes mágicas e os seus dedos passaram pelo meu cabelo.

Levanto a cabeça, limpo as lágrimas.

- Desculpa, Tami! Desculpa por esta cena.

Limpa-me as lágrimas.

- Não tens de pedir desculpa. – diz envergonhada.

Levanto-me devagar….gemo.

Tami observa-me com curiosidade.

Varro com o olhar o quarto e lembro-me que algures por ali existia uma poça do meu vómito…Tami limpou-a. Não preciso de falar para lhe agradecer, ela sabe-o.

- Trouxe ovos, bacon, torradas… O Jumbe ontem disse que a Dra. gosta disto. Acho que no seu país é o que comem.

- Emily! Não sou mais doutora.

Puxo a almofada debaixo da cama. Tami olha atenta, mas não faz qualquer comentário. Levo-a para o canto do quarto e sento-me em cima dela com cuidado.

- Tami. – chamo-a.

Observa-me com algum receio.

- Eu sei que não podes falar, ou que não queres. – inspiro. – Podes dizer-me por favor, como é que consegues sobreviver nesta casa?

O seu olhar fica parado no tempo. Pequenas rugas formam-se na testa. Consigo ver um esgar de dor a trespassar-lhe o rosto. O seu corpo contrai, dá um pequeno suspiro, como se ao dá-lo todas as recordações que tinha vivido naqueles ínfimos segundos se fossem embora.

Levantou-se da cama e veio sentar-se ao meu lado.

- Doutora…Emily. – corrigiu-se. – Não tens a noção do mal que existe no mundo! Eu não sobrevivo, nesta casa. Eu vivo e o principal é que o meu filho vive! Temos comida, tenho um salário e estamos seguros. – falou com uma pequena satisfação.

Fiquei surpresa com a informação. Na minha mente ela era tão escrava quanto eu…tinha sido comprada por um valor, tinha uma ou mais tarefas.

- Não foste comprada?

Anjo de Pedra disponível até 31/12Onde histórias criam vida. Descubra agora