Capítulo 9

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O corpo pedia descanso, mas era algo que eu não lhe podia dar. Guardei a folha que tinha arrancado do caderno, dobrei-a em quatro e escondi-a debaixo do meu colchão improvisado. não tinha escrito nada de mais, apenas palavras soltas, coisas, objectos das quais eu tinha saudades, mas que a saudade servia apenas para me ausentar da realidade.

Fechei os olhos ligeiramente, rezei um Pai - Nosso. Não por hábito, ou por ter perdido essa rotina ao longo da minha vida. Fi-lo porque me recordei das expressões das pessoas que rezavam, a paz que elas espelhavam quando estavam sentadas num banco de uma igreja a rezar fazia-me inveja. A sensação ao debitar aquelas poucas palavras, foi como se o meu coração tivesse recebido um pequeno presente e ao abri-lo, a esperança tivesse preenchido todos os espaços vazios da minha alma.

A porta da Lou abriu-se. Ouvi os passos dele, calculei que estivesse descalço. Ao tapar tudo à minha volta, numa tentativa de me proteger, tinha também tapado um dos sentidos que mais falta me fazia, a visão.

Dou um salto com o barulho do interruptor da casa - de -banho.

Fecho os olhos e sustenho a minha respiração. Tomo uma decisão muito rápida, não lhe vou dar nada. Quando ele vier, não lhe dou um ai, não imploro, não falo...estou morta!

Sei que o lençol é levantado, sinto o seu movimento, a sua pequena brisa que arrefece um pouco o ar quente...o tecido a roçar no ar.

Ao meu nariz chega novamente o odor a álcool, aquele cheiro fedido, que me faz a bílis subir à garganta.

Ele rasteja e eu afasto-me. O espaço é demasiado pequeno para duas que se suportam, quanto mais para duas que se odeiam. Rasteja mais um pouco e mesmo sem eu abrir os olhos, sem respirar, sei que está demasiado perto de mim.

O meu coração bate, é um tambor...o tambor do meu medo, oiço-o. Tenho a certeza que ele também o ouve.

"Finge que estás morta!"

É o que a minha mente me diz.

"Tens de estar morta!"

Espero que a qualquer momento ele puxe o meu corpo para fora, que m toque com os seus dedos porcos, que a sua boca podre encoste em mim, que o seu hálito fétido se misturo com o meu espaço.

Espero segundos que parecem horas.

O ar começa a faltar-me...quero respirar....não posso...se respirar estou viva.

- Apaga a luz. - a sua língua enrola as palavras.

Respiro finalmente, o corpo obriga-me. Eu não quero, mas ele obriga-me.

Apago a luz como ele me pede.

A expectativa mata-me...espero  a qualquer momento o seu toque.

E o primeiro embate chega...sinto o seu peito nas minha costas. A sua perna vem devagar, como se pedisse licença, descansar no meio das minhas, o braço envolve a minha cintura. Inspira e expira. Dá um beijo breve no topo da minha cabeça.

- Eu só quero dormir uma noite...só uma - é uma súplica. - Podes virar a Lou? Não posso beber mais...vinte anos... - fala sozinho contra o meu cabelo, enquanto me puxa mais, aperta mais. - Não me deixes beber mais, por favor... - choraminga. - Tenho de esconder a arma...não quero matá-la...não quero morrer.

De súbito o silêncio. A sua respiração fica lenta. O peito sobe e desce contra mim.

Fico de olhos abertos no escuro, não me mexo.

A sua mão procura a minha e os nossos dedos entrelaçam-se. Azazel solta um suspiro como se este toque lhe trouxesse de alguma forma paz.

Afasto os meus pensamentos da agonia da sua voz, nos seus pedidos. Está demasiado bêbado para perceber o que disse, ou o que pede. De certa forma tenho pena do homem que me obriga a dormir com ele. Talvez me deva alegrar por que ao sentir pena, sou humana, sou muito melhor que ele. Tenho pena do homem que rastejou até à minha cama improvisada, pena por ele querer encontrar conforto numa pessoa que não o dá e que se deixa levar por que é obrigada, mas odeio o homem que me violou na noite anterior e que me faz agora receber o seu toque.

Anjo de Pedra disponível até 31/12Onde histórias criam vida. Descubra agora