Atualmente...
Cidade de Bela Rosa, São Paulo
A voz de Valentina ainda estava ecoando pelo quarto quando abri os olhos e me sentei na cama, tampando os ouvidos para os gritos esganiçados da minha amiga, desejando do fundo do coração que aquela voz se evaporasse como das outras vezes, rezando para que ninguém entrasse e me visse assim.
Depois de alguns minutos, fui afastando as mãos dos meus ouvidos, permitindo que o ar circulasse da melhor forma dentro do meu corpo e escapulisse pelo meu nariz que se alargava para que o ar passasse, por fim joguei as pernas para fora da cama e me levantei, secando o suor da testa e correndo até a janela para me certificar de que realmente já era dia.
Meu último dia ali.
Minhas malas já estavam prontas e descansavam ao lado da porta, então só precisei tomar um banho rápido e vestir o vestidinho azul que tinha separado, ignorando fortemente os tremores das minhas mãos e a ansiedade que fazia meu estômago doer.
Eu tinha passado meses convencendo aos psiquiatras e os enfermeiros que estava bem, que conseguia domar os instintos de fuga que vinham sem permissão, que podia voltar para casa sem correr o risco de machucar minha família ou assustá-los caso houvesse uma crise de nervos ou até que seria capaz de fingir que a morte da minha amiga não me feriu profundamente e mudou totalmente o rumo da minha vida.
E, no fim, eu os convenci.
Era fácil mentir o problema seria levar a mentira adiante, mas eu estava focada nisso, decidida a continuar, a fazer todos acreditarem de uma vez por todas que a Karol que presenciou a morte da melhor amiga e que tentou se matar duas vezes após isso, não era a mesma Karol que saia daquele sanatório para pessoas com transtornos mentais.
A Karol que saia dali, era uma Karol confiante, que sorria, conversava e negava veementemente a idéia de morte, afinal, depois de passar um ano internada ali, naquele inferno, fazendo meus pais sofrerem como condenados e a minha irmãzinha chorar de saudade, eu precisava ser a melhor versão de mim, mesmo que por dentro estivesse tão cheia de cicatrizes quanto as que eu ainda tinha do dia da morte da Valentina, quando também fui atacada, mas que por alguma sorte sobrevivi.
Respirei fundo enquanto me encarava no pequeno espelho e tentei puxar o meu cabelo para frente, achando uma forma de esconder a grossa cicatriz que ia da minha orelha direita até a metade da bochecha, se tornando um lembrete inesquecível daquele fatídico dia.
Respirei de novo.
Sorria. Sorria. Sorria.
Repuxei meus lábios para trás e vi meu rosto – que eu mal reconhecia – formar um belíssimo sorriso, muito convincente até.
Perfeito.
─ Seu pai chegou. – Uma enfermeira falou logo atrás de mim e só então me dei conta que ela havia entrado no quarto. – Os remédios.
Ainda sorrindo, virei-me para ela e peguei o pequeno copinho branco com dois comprimidos dentro, levei-os até a boca e os engoli dispensando a água que ela trazia consigo numa pequena bandeja azul.
Mostrei a língua para deixar claro que tinha engolido tudo.
─ Já estou indo. – Falei me referindo a ir me encontrar com o meu pai.
─ Não demora. – Ela disse antes de sair e deixar a porta aberta.
Todos ali pareciam estar em seus piores humores, mas isso já não me incomodava mais como incomodou no inicio; depois de um ano naquele lugar, você aceita que tudo ali é totalmente aterrador e sem vida, principalmente os funcionários.

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A Bela Rosa {Vol. 1}
FanfictionQuando a minha vida virou-se de ponta cabeça me entreguei nos braços da morte, desejando fortemente que aquele fosse o fim, porque assim, talvez, a dor causada pelas imagens que discorriam na frente dos meus olhos pudesse ser um pouco menos aterrado...