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Eu não tinha certeza do que via.

Minhas memórias seguintes eram apenas flashes que nunca consegui descrever perfeitamente, pois tudo que me lembro é de ver o rosto da minha mãe, do meu pai, de ouvir a voz apavorada de Lica e os gritos do papai, acho.

Ele devia estar me pedindo calma. Ou algo assim.

Os rostos tinham formato confuso, pareciam cobertos por névoa e depois sumiam numa escuridão eterna.

Em determinado momento algo apertou meu braço com força, tentei me libertar, mas meu corpo estava preso, meus olhos pesados e minha boca dormente; de pouco em pouco, meus membros foram adormecendo também, um por vez, e sem que eu pudesse resistir mais, fui caindo num poço de escuridão profunda, mergulhando no vazio como quem salta de um penhasco e cai por entre as nuvens cinza de chuva.

Afundando...

Afundando...

Afundando...

Os trovões espocavam acima de mim, porém não pareciam muito distantes.

Se eu tivesse asas, voaria.

No entanto, eu estava despencando no léu.

Levada pela força da gravidade ou talvez pela mão da morte.

Tudo me engolindo, girando, caindo, desaparecendo....

Tudo desaparecia, menos a dor.

Então apertei os olhos com mais força e pensei nele. Ruggero. Se eu ia mesmo morrer, eu queria morrer com o rosto dele na minha mente, com a voz dele ressoando no fundo dos meus ouvidos e com a risada dele ecoando no meu coração.

Ruggero, eu te amo.

Mas amá-lo ainda parecia tão pouco, quase uma ofensa.

Era mais que amor... Muito mais.

Amor era nada perto do que eu sentia.

Necessidade, desejo, desespero, ânsia, paixão, apego, obsessão... Nomeie como quiser.

Mas eu queria morrer pensando nele.

Pensar nele era melhor, muito melhor.

Eu sabia que ou estava morrendo ou estava voltando para o Bonaventura, de qualquer forma, era um tipo de morte também, porém mais demorada.

Se eu voltasse para aquele lugar, daria um jeito de morrer logo.

Eu havia ferrado tudo... Saído dos eixos, errado...

Mas não tinha importância, porque se ele não estava vivo, do que adiantava continuar vivendo?

Leve-me para o Bonaventura, eu quis dizer, de lá darei um jeito de chegar ao cemitério. Vocês não serão culpados. Apenas me deixem descansar para sempre.

E então a queda cessou.

O mundo parou de girar e uma luz forte transpassou as minhas pálpebras pesadas.

Abri os olhos e voltei a fechá-los.

Muito claro.

Abri os olhos de novo e dessa vez fui estapeada por uma visão muito mais agradável.

O mar.

O mar do primeiro sonho que tive com ele.

Então funcionou...

Morrer pensando nele funcionou.

─ Ruggero. – Minha voz era só um fiapo.

Lambi meus lábios secos e fui ficando de pé, mesmo que a areia me fizesse afundar um pouco, me desequilibrando.

─ Linda!

Ele.

Era ele.

Estávamos distantes, mas eu podia vê-lo claramente correndo na minha direção.

Corri para seus braços.

Não me importava que a areia me atrapalhasse, que estivéssemos tropeçando aqui e ali, que ele quase tivesse caído... Apenas nos importava chegar um perto do outro.

Ruggero abriu os braços para mim e me joguei em cima dele, agarrando-o com tanta, tanta força, que quase caímos juntos.

Escondi meu rosto em seu peito e fechei os olhos.

─ Funcionou. – Arfei. Dava para sentir o suor escorrendo pela lateral do meu rosto. ─ Funcionou.

Ruggero segurou meu rosto e levantou-o para si.

Estava tão perto dele que até esqueci como se fazia para respirar.

O sol contornava sua bela face e seus topázios marrons eram como espelhos refletindo a luz solar.

Ele sorriu e precisei me apoiar ainda mais nele para não cair com a força daquele gesto.

─ Tive medo de não te encontrar. – Falou. – Tive medo que não pensasse em mim, porque eu queria muito estar com você.

O mar se quebrava em ondas furiosas perto de nós e o cheiro de maresia inundava o ar.

─ Só pensei em você. – Admiti. ─ Se eu for morrer, se forem me levar para o Bonaventura de novo, eu quero estar pensando em você, Ruggero.

Não tínhamos mais tempo para fingir que eu não sentia nada.

Eu já tinha perdido tudo, inclusive à ele.

Não adiantava tentar me proteger de algo que estava em mim.

Não era Ruggero quem carregava a morte consigo, era eu. Otávio Romero se enganou.

─ Morrer? – Ele franziu o rosto. – Linda, você não vai morrer. Pelo amor de Deus! Eu não deixaria que isso acontecesse... Entendeu?

Segurei seu rosto.

─ Eu estou furiosa. – Arfei mais um pouco. ─ A vida te tirou de mim e eu sequer pude dizer o que sentia, Ruggero. – Abanei a cabeça com pesar. – Se você morreu mesmo, então acabou. Tudo acabou.

Ele avançou nos meus lábios e a minha linha de raciocínio e raiva foi cortada.

Eu fiquei surda, fiquei leve como uma pluma, fiquei fraca...

Seus lábios eram salgados e sua pele era quente como brasa de fogo que me consumia.

Eu estava queimando e não me importava. Poderia ir para o inferno com ele.

Eu iria para qualquer lugar com ele.

Ruggero içou minha cintura e colou nossos corpos suados, sua língua invadiu minha boca hesitante e o calor dos nossos hálitos pareciam nos engolir completamente, nos fazendo render-se diante da paixão esmagadora que comprimia meu coração.

Um leve gemido escapou da minha garganta quando seus lábios úmidos foram trilhando um caminho de beijo pelo meu maxilar, descendo pelo meu pescoço suado, subindo para o meu queixo e reencontrando a minha boca faminta.

Ruggero me puxou para cima, prendi minhas pernas em sua cintura e suas mãos foram parar embaixo da minha bunda, me segurando contra si.

Quando nosso beijo foi cortado, nossas testas se encostaram.

─ Nada acabou. – Ele afirmou com fé. ─ Nada acabou, Karol.

E então mãos invisíveis me puxaram de volta para a escuridão e ele sumiu.

A Bela Rosa {Vol. 1}Onde histórias criam vida. Descubra agora