12. Cinema.

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Oito dias se passaram desde o dia da rebelião. Algumas coisas realmente mudaram. Os guardas, aparentemente, estão mais tolerantes. Os que bateram em Zulema, foram demitidos devido ao histórico de violência. Vermes! Deveriam ser queimados vivos por terem encostado nela. A comida, por exemplo, melhorou uns 50%, o que não é mal, comparado ao que a gente comia antes. Abriram novas turmas de actividades físicas e educativas. Semana que vem começam nossas aulas obrigatórias, teremos que assistir 2 vezes por semana para nos formar em um curso básico de administração, que segundo o Palacios, será importante para nossa carreira lá fora. Acho cômico pensar que o sistema está preparado para dar emprego para ex-presidiárias. Fora isso, ganhamos alguns minutos a mais de intervalo no pátio. Mas eu não tenho vontade de fazer nada disso. Só quero ficar na minha cama.

Desde o dia da rebelião que eu não vejo Zulema. Ela ainda está de observação na enfermaria pois acabou ficando doente no meio da confusão. Não sei ao certo o que ela tem, mas dizem que está no soro tomando algumas vitaminas para recuperar a imunidade. Tentei de todas as formas visita-la, e até mesmo fingi que estava doente só para poder entrar naquele maldito consultório. Mas não funcionou, o novo médico tem regras muito rígidas.

T: Hey, Maca, hoje a noite tem cinema. Vai passar o filme da Bela e a Fera. Você vai? - Tere me pergunta quando entra no quarto e me encontra na mesma posição que ela deixou quando saiu.

M: Acho que não. Não me apetece fazer nada. - Falo indiferente.

T: O que tá acontecendo com você? Você está super estranha. Agora que finalmente estamos conseguindo as coisas aqui dentro você fica ai nessa tristeza toda. - Joga na minha cara.

M: Eu só quero ficar sozinha, me deixa em paz. - Retruco.

T: Credo! - Pega qualquer coisa em sua bancada e sai.

Antes mesmo que eu possa fazer qualquer movimento, Rizos aparece na cela para me buscar pro café da manhã.

R: Bela adormecida, vamos acordar? - Ela me saúda risonha como sempre.

M: Eu já estou acordada. - Respondo sem animo.

Rizos está muito apegada comigo desde o dia que tivemos intimidade no banheiro. Ela é uma garota muito importante na minha vida. Foi com ela que me descobri bissexual. Ela sempre esteve do meu lado e me apoiou em tudo. Está sempre disposta a me ajudar. Me sinto tão ingrata por não conseguir retribuir a ela o que ela já fez e continua fazendo por mim.

R: Então levanta, vamos para cantina antes que aquelas famintas comam tudo. - Gentilmente tenta me tirar da cama.

M: Não tenho fome. - Deixo ela tirar a coberta e permaneço mole, completamente manuseável.

R: Eu como por nós duas então, vem. - Ela me pega no colo, e me carrega até o corredor. Me debato tentando sair. Mas ela insiste.

G: Kabila, põe a Ferreiro no chão, imediatamente. - Um guarda a ameaça assim que nós flagra.

Ao passo que ponho meus pés no chão tento voltar para cela, mais sou impedida por ela que entra na minha frente.

R: Se você voltar eu vou até lá e te encher de cócegas, você quem sabe... - Ri maliciosa

Sou vencida pelo cansaço. Chego no refeitório, pego um tabuleiro, e o único que apanho para comer é um iogurte, estou sem paladar para outras coisas. Junto-me a mesa das meninas que estão super animadas conversando sobre o filme.

G: Será que o pau da Fera é todo peludo igual o corpo dele? - Goya pergunta fazendo todas gargalharem.

S: Que nojo, porra. Essas horas da manhã você falando de pau na mesa. Eu quero lá saber da porra da piroca da Fera. Odeio isso. - Saray cospe a comida e faz cara de nojo. Agora eu rio.

O papo segue completamente sem nexo com as mesmas baboseira de sempre que elas falam. De vez em quando acho graça de qualquer coisa e me permito relaxar. Mas logo volto a ficar tensa novamente por não ter noticias da árabe. O sinal toca para iniciarmos nossos turnos. Antes que Saray possa sumir eu a interrogo.

M: Saray, espera! -Vou atrás dela.

S: Não Macarena, eu não tenho noticias da Zulema. Mas ela tá bem, ok? Relaxa. Noticias ruim corre rápido. - Ela se antecipa antes de eu precise perguntar.

...

O dia segue entediante para mim, diferente das minhas colegas que estão super ansiosas. Aqui na cadeia não temos quase nada, portanto, um simples filme da Disney é motivo de euforia. Sei que esses momentos são raros. Me autorizo participar, pois futuramente quero recorda-los com carinho.

Ao chegar na sala de vídeos, vejo que Rizos já está na fileira da frente, quando ela me avista, acena para eu ir ter com ela. Ela está sentada em uma cadeira e com os dois pés em cima de outra ao seu lado, guardando para mim. Enquanto já há detentas em pé reclamando da situação. Rio, pois acho fofo.

Em poucos minutos o filme começa. Rizos pega na minha mão, cruzando seus longos dedos com os meus. Penso na mão de Zulema, tão fina e delicada, com a pele clara como a lua. Suspiro com esse pensamento e seguro o choro que está desesperado para sair. Eu estou com tanta saudades dela.

R: Você tá legal? O que aconteceu? - Rizos pergunta preocupada, ela não faz ideia do que se passa na minha cabeça agora.

Sorrio sem graça e aceno que sim. Deito minha cabeça em seus ombros para evitar diálogos, não quero conversar. Ela passa os braços por mim e me acolhe. Agora parecemos um casal.

Durante o filme, Kabila está totalmente carinhosa. Nas cenas românticas ela distribui alguns beijos em minha testa, esta a todo tempo alisando meu cabelo, nossas mãos estão entrelaçadas. Tenho a impressão que ela sempre sonhou em ter esses momentos românticos comigo.

O filme acaba e as detentas lamentam. Os guardas nos auxiliam para regressar. De mãos dadas com Rizos, levanto-me do meu acento. O que vejo na minha frente faz meu coração saltar.

Zulema estava no fundo da sala, com seu uniforme preto, sentada de pernas cruzadas, um cigarro apagado na boca, ao lado de Saray, com repleta visão de mim e Kabila.

Ela me olha por alguns segundos com seu olhar felino e profundo, sorri com sarcasmo, balançado sua cabeça de um lado pro outro, desvia o olhar, levanta e sai da sala.

Permaneço em estátua sem conseguir sentir a superfície em meus pés.

Me apaixonei pela minha inimiga - ZURENA.Onde histórias criam vida. Descubra agora