29. Inverno.

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Cinco meses se passaram desde a fuga de Zulema. Cinco meses sem ela, sem seu perfume, sem sua presença que me dá confiança. 

Sinto-me sozinha, abandonada a mim mesmo. Ela saiu sem me dizer nada, sem nem me deixar abraça-la, e senti-la mais uma vez.

Ela optou por ir embora sem me considerar, sem se importar que meu coração pertencia a ela. Ela, que sem fazer nada, roubou minha alma e levou-a embora, deixando um vazio no meu peito que eu não imagino como preencher. 

Os dias parecem todos iguais e monótonos. O tempo passa lentamente enquanto realizo as actividades diárias da prisão, quase como um robô. Tudo parece cinza, e eu pareço um zumbi. 

Zulema foi embora no inicio do inverno. Á noite quando olho para cama vazia ao lado da minha, sinto um choro sufocante na garganta, imagino os momentos que passei ali com ela, a maneira como adormecemos abraçadas. As vezes em que ela se jogou em meus braços, que sentimos nossos corpos arderem de tanto desejo. Como ela pode me deixar aqui sozinha, passando tanto frio nas madrugadas geladas.  

Entrar na estufa se tornou uma tortura, ver todas aquelas plantas morrerem lentamente junto com minha alma, me fez entrar em um buraco negro sem fundo, e sem saída. 

Simplesmente abandonei o curso de finanças, pois não consigo estudar com ninguém que não seja ela, não consigo prestar atenção em uma palavra do professor, pois ele não tem aquele sotaque árabe, e nem vai me compensar com beijos depois da aula. 

Ás vezes me pergunto, onde ela está? O que está fazendo agora? Se ela está desfrutando da sua amada liberdade, mesmo longe de mim? E me sinto estúpida quando em meu coração espero que sim, espero que ela esteja bem, esteja se alimentando direito, esteja protegida em uma casa segura e quentinha, e acima de tudo, desejo que ela esteja muito feliz, pois é o que ela sempre sonhou. 

Depois de algumas semanas, mudei de cela, pois a situação ficou dolorosa demais. Consegui contar com a ajuda de Castilho, que sempre me defendeu, e tive sorte com a sensibilidade de Palacios, que me resguardaram de algumas actividades obrigatórias, fizeram todas minhas vontades para que a vivência naquele lugar não ficasse tão insuportável. Mas a pessoa que mais me ajudou nesse momento, sem sombra de duvidas, foi a Rizos.

Tive inúmeros ataques de pânico, se não fosse por ela até minha vida eu já teria tirado, de tão difícil que ficou conviver em meu corpo inútil. Em todos esses meses ela não me deixou só nem por um momento, eu devo tudo a ela, e só graças a ela, hoje em dia eu estou me recuperando. 

Já não tenho pesadelos constantes, e nem imagino que Zulema está em perigo, ou machucada, ou doente... Estou começando a ver um lampejo de luz em toda essa merda que eu estou afundada. Parece que o inverno está levando toda a depressão que eu acumulei, e o outono está me trazendo um pequeno vestígio de esperança. 

Eu e Rizos estamos juntas agora, eu estou bem com ela. Eu a amo. Não como Zulema. Com Zulema eu vivi um amor tóxico, um amor cheio de ódio, de raiva, e principalmente medo. Um amor que sua ausência me matava, me rasgava por dentro, enquanto o pensamento repentino nela se infiltrava na minha mente como um veneno.

A ideia daquele escorpião venenoso de beleza letal parece cada vez mais turva na minha mente, como se tivesse sido um surto, apenas um sonho muito bom que nunca aconteceu. Eu já não espero que ela possa voltar um dia, não espero ela vai entrar no pátio no meio daquela tempestade, e vá me aquecer com seu corpo precioso. 

Penso pouco nela, e quando penso não sinto nada além de raiva. Raiva por ela ter me iludido, abandonado, zombado com meus sentimentos. E acima de tudo, tenho raiva de mim mesma, porque eu deveria ter esperado que era impossível salvar a alma de alguém como Zulema Zahir. 

Ela, com seu maldito perfume, me confundiu e me seduziu, apenas para me abandonar da pior maneira possível, como uma covarde. 

Com Rizos eu tenho equilíbrio, uma relação estável. Ela me enche de doçura, e serenidade. Ela me da momentos de despreocupação, que são tudo o que eu preciso agora. 

...

Estamos na cantina, sentadas a mesa com Tere e Luna para nosso café da manhã.

Saray tem uma namorada nova, e quase não fala mais comigo, lá no fundo eu sei bem que é por causa do meu relacionamento com Rizos. Eu não faço questão de falar com ela também, porque de certa forma, ela me remete muito a Zulema. 

Rizos entrelaça seus longos dedos nos meus, fecho meus olhos por um segundo. A imagem borrada de Zulema reaparece como um flash na minha memória. Lembro dos seus dedos delgados acidentalmente roçando nos meus enquanto nos amassamos. Sinto seu hálito quente no meu paladar, e suspiro com esse pensamento. Eu não sei por quê, mas hoje a sua lembrança está me torturando como um sapato apertado, não consigo deixar de pensar nela por um segundo.

R: Amor, daqui a pouco vamos jogar futebol no pátio, você vem? - Rizos me pergunta sorrindo, me trazendo de volta a realidade.

Palacios decidiu que haverá novamente competições esportivas com premiações nas próximas semanas, então todos as presas estão trabalhando duro para treinar de olho em um cobiçado prêmio, que ainda não sabemos o que é. 

Rizos, decidiu se dedicar ao futebol, ela sempre foi boa em esportes de quadra, enquanto eu vou competir, de novo, pelo Boxe, que de certa forma, está sendo muito relaxante e benéfico para minha saúde mental treinar todos os dias. Passo a maior parte do tempo socando aquele maldito saco vermelho, duvido que alguém consiga me vencer.

M: Claro que vou te ver, vou ficar lá torcendo por você. - Respondo a morena sorrindo e ela me deixa um doce beijo na boca.

R: No dia da partida eu quero você gritando por mim igual uma líder de torcida. De sainha curta e tudo. Vou marcar todos os lances e dedicar para você. - Ela brinca carinhosa.

...

Depois de comer, decido ir com Luna e Tere ao pátio, para acompanhar o "amistoso" que as meninas estavam treinando para competição. 

Vislumbro Saray já no meio do campo chamando a atenção, como sempre. Ela é praticamente a estrela desse lugar. Ela faz alguns dribles com a bola, mostrando que é habilidosa. Kabila vai até ela e a cigana a cumprimenta com um aceno de cabeça, então, enquanto sento me nos degraus com as outras internas, eu as observo iniciarem a partida.

Elas começam o jogo e depois de alguns minutos eu torço pela minha namorada gritando da arquibancada.

M: Vai Rizos!! - Grito sorrindo, recebendo o mesmo gesto de volta, da morena. 

Kabila marca um gol e comemora com as garotas do seu time, batendo a mão em high five, depois lança um beijo no ar para mim, me fazendo corar. 

S: Que porra! - Saray reclama decepcionada, pois no inicio do jogo ela estava muito confiante.

S: Vocês são todas umas vadias desequilibradas. - Ela ofende o próprio grupo.

R: Vargas, você quem escolheu os times, é melhor você se adaptar porque vai ser com elas que você vai para o torneio. - Rizos debocha. 

O jogo continua e a equipe de Saray e sua namorada parecem se recuperar. Acompanho o jogo com concentração quando em determinado momento, percebo uma movimentação esquisita entre os guardas no pátio.

Alguns guardas correm em direção ao portão de entrada. As meninas param a partida. Em seguida, vejo o ônibus amarelo da prisão entrar pelas grades da cadeia. Os guardas se alinham em torno do veiculo, carregados com armas. 

Meu coração começa disparar, sinto falta de ar. Ela voltou.  

Me apaixonei pela minha inimiga - ZURENA.Onde histórias criam vida. Descubra agora