Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.
Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.
Cecília Meireles
Denise
Duas semanas antes.
Dar aulas para crianças sempre foi meu sonho e o balé sempre foi minha paixão então poder fazer as duas coisas ao mesmo tempo é realizador.
- estiquem bastante a coluna, mantenha a postura.. Isso mesmo estão lindas- vou andando pela sala observando a postura de cada menina e corrigindo algumas- agora mão direita na barra e a mão esquerda em quinta posição, agora Cambré para frente mantendo a postura.
As alunas da aula de hoje estão na faixa de oito e nove anos, então para uma bailarina isso já e considerado nível intermediário, pois a maioria delas começou ainda bem pequenas e sou professora da maioria delas desde a primeira aula.
Desde pequena eu sempre gostei de dançar minha mãe era uma eximia bailarina, ela dançou nas melhores companhias de ballet do mundo seu nome ainda hoje é lembrado, mas diferente dela os palcos nunca foram meu objetivo eu queria mesmo era ser coreógrafa e dar aulas por isso me especializei nessas áreas. Um dos diferenciais do meu trabalho e que procuro sempre acompanhar as mesmas alunas desde a primeira aula até que entrem no nível avançado por isso minhas aulas tem vagas limitadas, eu tenho o que chamam de dom para reconhecer novos talentos e uso isso para selecionar para quem prestarei monitoria.
Percebo que uma das alunas, Alice, não está com a postura correta, sua cabeça esta levantada e ela parece desconcentrada. Na posição que ela se encontra isso pode dar mal jeito em seu pescoço. Vou caminhando até ela e quando estou chegando perto percebo que ela olha para a janela e sorri de algo que vê la fora, olho na mesma direção e vejo uma menina, suas roupas estão tão sujas que nem consigo identificar a cor que já foram um dia, ela e negra tem uma cabelo crespo volumoso que apesar da aparência suja não esconde o fato que é muito bonito, chego mais perto da janela e vejo que ela esta descalça mas seus pés reproduzem com precisão a posição dos pés que minhas alunas fazem, ela não me vê pois esta com a cabeça abaixada imitando o cambré das meninas aqui dentro.
- Alice concerte a postura- falo e ela rapidamente obedece, pelo canto do olho vejo que a menina lá fora se assusta com minha voz tão perto mas eu faço de conta que não a vi.
- agora vão voltando a posição inicial, lembrando sempre de subir primeiro a coluna e por ultimo a cabeça, devagar para não dar tontura. Muito bem. Agora quero todas em seus lugares no centro da sala.
Cada aluna tem seu lugar predeterminado, então elas rapidamente ficam em formação, explico a elas a série de exercícios que quero que realizem e faço isso falando um pouco mais alto que o normal, discretamente olho pela janela e vejo que a menina chegou mais perto.
-Alice pode fazer a demonstração da sequência, por favor, e as outras prestem bastante atenção- como eu pedi Alice se coloca em posição e eu começo a contagem- e um e dois e três e quatro.
Ela executa os movimentos com perfeição e quando termina pergunto se todas as outras entenderam e recebo respostas afirmativas.
- Então agora vamos fazer com música.
Enquanto minhas alunas fazem os movimentos vou andando pela sala, mas sem deixar de prestar atenção no que acontece lá fora, a menina começa desajeitada tentando imitar o que as outras fazem e chegou até a tropeçar mas quando esta próximo do final da música ela já imita bem o exercício.
Interessante muito, interessante.
Algum tempo depois encerro a aula e as meninas vão na maior gritaria e empolgação para o fundo da sala onde fica a área em que elas deixam as bolsas, no chão mesmo e vão sentando e trocando as sapatilhas por tênis. Vou até a porta, abro e aviso as mães que a aula já acabou. Volto meu olhar para a janela, mas não tem ninguém do lado de fora.
-Alice vem aqui- chamo quando vejo que ele já trocou de roupa
- Fala prof Denise
- desde quando aquela garota assiste nossa aula?
- garota? Eu não sei do que a senhora esta falando
- não sabe? Então por que esta com a cabeça baixa e mexendo o pé assim nervosa?
- está bem, faz uns dias já que durante as suas aulas ela parece e fica imitando a gente, as vezes quando o passo e muito complicado eu faço mais devagar só pra ela conseguir pegar,. No começo eu fiquei com medo porque minha mãe diz que mendigos são perigosos, mas acho que isso não é verdade pois ela pareceu se bem legal quando a gente conversou.
-vocês já se falaram?
- sim, mas foi rapidinho, na segunda quando a senhorita precisou ir lá fora pegar água; só perguntei o nome dela que é Luana e falei o meu, ela disse que minha rupa era legal e ai você voltou pra sala.
- está certo querida pode ir sua mãe já chegou.
***
- Teresa posso falar com você rapidinho- pergunto enquanto me escoro no batente da porta na sala a lado da que dou minhas aulas.
- claro amiga chega mais ainda tenho uns minutos antes da minha turma entrar- diferente de mim que sou uma contratada da Vive la vie e dou aulas todos os dias em dois turnos a Teresa da apenas aulas free lancer algumas vezes por semana.
- é que hoje durante a aula eu notei pela janela uma garota eu me pareceu ser moradora de rua, ela estava "assistindo" a minha aula e vi ela reproduzindo tudo que eu falava pras alunas fazerem.
- ela e uma menina negra de cabelo cacheado certo?
- isso mesmo, você já a tinha visto por aqui?
- aqui não, mas faz alguns dias que notamos ela rondando a doçarte, a Lucy tentou chama-la par dar a ela o que comer e descobrir mais, mas a menina saiu correndo antes que pudéssemos chegar mais perto. Outro dia a Joana ia saindo e viu ela revirando nosso lixo mas mais uma vez quando a garota sentiu a aproximação saiu correndo.
- eu nunca a tinha reparado, o interessante e que as nossa salas ficam aqui no fundo e a janela da para o pátio, então ela entrou por algum lugar e duvido muito que ela tenha entrado pela recepção.
- você se incomodou dela está aqui dentro?
- não dela em específico estar aqui, o problema e que se ela entrou existe alguma falha na nossa segurança e vou ter que falar com a Clair sobre isso, trabalhamos com crianças aqui então isso é perigoso.
- nossa verdade, mas não parece ser só isso. Te conheço amiga e esse olhar e de quem ta pra aprontar.
- Tere a menina tem um verdadeiro talento bruto, eu só a observei por umas meia hora e já deu pra notar, ela conseguia reproduzir movimentos quase com perfeição.
- você ta brincando ne?
- não tô olha, eu discretamente filmei com o celular- mostro a ela gravação que fiz do reflexo da janela pelo espelho -a imagem não ficou muito boa mas da pra ter uma noção.
- estou realmente impressionada, ela realizou o salto direitinho e essa postura fala por si só.
- Teresa eu preciso falar com essa garota.
- Mas você pretende o quê?
- anda não sei quem sabe dou a ela uma bolsa ou algo assim, mas um talento como esse não pode ser ignorado.
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Na Ponta Dos Pés
RomansaDenise e Carlos Eduardo tem um pasado doloro e cheio de mágoas Ela o culpa por não receber apoio no momento mais difícil de sua vida. Ele não a perdoa pelo abandono. Um dia ambos juraram amor eterno, mas tudo que sobrou foram falsas promessas e...