De volta pra casa.

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Não consegui pregar o olho a noite inteira. Depois do que houve na casa do dono da companhia, não tive forças para olhar para Lobão.

Talvez eu devesse dizer a frase: eu te avisei mas na realidade faltava palavras para definir a bagunça de sentimentos que atormentavam o meu coração.

Eu tinha consciência de que nunca havia abandonado o meu melhor amigo mas eu preferia acreditar que foi um surto do que ter a certeza plena de que ele não havia mentindo.

Fiquei ziguezagueando pelo quarto atento a qualquer movimento dele. Lá pelas três da tarde, ouvi um ranger de porta que indicava que ele havia saído.

Não me dei conta do que estava fazendo mas eu precisava muito daquilo.

Comecei a mexer nas coisas dele, procurando com pressa e ao mesmo tempo com medo de que ele me apanhasse com a boca na botija.

Lá estava ela! A chave! A reconhecia porque eu mesmo havia tirado uma cópia em um chaveiro barato para ficar com o troco pra comprar balas para mim e para Lobão.

Saí do quarto mas não sem antes dar uma boa olhada. Não queria deixar vestígios de que eu havia mexido ali.

Percorri tudo a pé. Queria matar a saudade que eu estava sentindo da minha cidade natal.

Fui até a igrejinha que eu e Lobão nos batizamos juntos e onde também enganavamos os pais das garotas para sairmos pra namorar.

Lá estava a pracinha. Quantas vezes eu e Lobão jogamos bolinhas de gude se esquecendo da hora do almoço.

Ah, o rio! Se aquele rio falasse, contaria nossas maiores aventuras.

Quando Lobão me salvou de uma picada de cobra, quando eu tive minha primeira vez e quando eu passei dias de desespero: Lobão caiu do pé de manga, fraturou a costela e bateu feio a cabeça.

Lembro de pedir a ele que não morresse e ele por sua vez me disse que jamais me largaria sozinho. Éramos tão cúmplices e hoje tão estranhos.

Nem me dei conta do quanto eu havia andado, quando me deparei com a casa em que eu havia passado a infância inteira.

Ela ainda era a mesma! Branca com janelas em mogno, o portão preto e imponente, a grama bem cuidada e o cheiro de flores vindo do jardim. Ao longe, avistei um homem velho mas bem firme que regava as plantas.

Não podia acreditar... Era o Rubens, o velho mordomo! Não podia crer que ainda estava tão conservado após tantos anos.

Sem medir as consequências, abri os portões e caminhei até ele.

— Rubens!? — o velho se assustara um pouco mas logo se recuperou.

— Ah, o menino Gael! Sabia que uma hora você apareceria.

Ele saiu andando. Não me disse para acompanha-lo mas eu o conhecia. Ele queria que eu o seguisse.

— Veio para ver a casa, não foi? Senhor Jorge esteve aqui com a senhorita Natália há umas semanas atrás.

Então foi para cá que Lobão havia trago a minha filha. Para recolher o sangue do DNA.

— Posso ver a casa, então? — perguntei já imaginando um não bem redondo. Apostava minhas calças como Lobão o proibiu de me deixar passar dos portões.

— De poder, você realmente não pode. Mas que chance teria eu? Um velho que mal se aguenta em pé, contra você que tem metade da minha idade?

Continuamos a caminhar em silêncio. Cada passo que eu dava meu coração picotava de emoção.

The True Story Of Nat [ Rewrite ]Onde histórias criam vida. Descubra agora