Depois de muito tempo de jogo, finalmente chega o intervalo de 15 minutos. Os atletas se dividem indo para os vestiários, a maioria das pessoas que estão na arquibancada saem e eu fico praticamente sozinha nos assentos.
Dou um longo gole na água da minha garrafinha. Nem consigo acreditar que em menos de 1 hora, eu vou estar competindo nas estaduais.
A música ambiente que tocava é interrompida de repente, olho para os lados procurando o cara responsável pelo som, microfones e etc, mas ele não está em sua mesa. Marcos está lá, conectando seu celular na caixa de som. O que caralhos ele vai fazer dessa vez?
Me levanto na intenção de ir perguntar o que ele quer, mas ele me encontra com seus olhos me lançando um sorriso sinistro e um áudio estranho começa a tocar.Parece um áudio gravado no meio de uma conversa em grupo pelo celular.
Várias pessoas conversando e rindo ao mesmo tempo e não consigo entender o que se fala. Continuo andando em sua direção até ouvir uma voz específica. A voz de Caio. Paraliso tentando entender o que ele está falando. Marcos me observa de longe, ainda parado naquela mesa.
"Shhhhh, deixa o Caio falar", alguém fala.
"Pelo amor de Deus, não tenho nem o que falar", a voz de Caio anuncia, entediado.
Será que o estádio inteiro está ouvindo isso pelos altos falantes?
"Qual é, Caio?", a voz de Marcos, "Você realmente tá com a Catarina por que quer?"
"Claro que não!", ele ri, "Só tô com ela porque aquele babaca do Samuel pegou minha irmã, tô iludindo ela cabuloso e ela é irritante"
Mais risadas de fundo.
O que está acontecendo? Por que meus pés não conseguem se mexer?
"Sério que você está com ela só por vingancinha?", outra voz diz, "Bem maduro da sua parte"
"Foda-se se ele está sendo imaturo! Ela é gostosa, isso que importa", Marcos diz.
Eu quero ir até a mesa e dar um tapa no Marcos mas não consigo fazer nada a não ser ficar parada aqui.
Caio ri com desprezo, "Sabe o pior? Ela realmente gosta de mim".
"E você deixa ela pensar que tu gosta dela?", alguém no fundo diz.
"Claro, ela tá na minha mão", ele diz com ironia de um jeito irreconhecível. Esse realmente é o Caio? O meu Caio?
Vejo Débora entrar na quadra e arrancar o celular do Marcos do Alto-Falante, o jogando no chão e pisando. Os dois começam a gritar entre si mas não consigo ouvir o que eles estão falando, só um leve eco no fundo. Tudo parece estar em câmera lenta e não tenho reação alguma.
Marcos sai da quadra pisando fundo e Débora vem na minha direção. Quando viro para o outro lado, Caio está correndo até mim com o desespero evidente em seu olhar. É aí que meus sentidos voltam para mim, começo a dar passos para trás.
"Catarina, não é o que você está pensando!", ele grita ainda vindo até mim.
As palavras não saem da minha boca, eu quero xingar e falar o quanto eu o odeio, mesmo não odiando.
Eu estou na mão dele?
Débora toma a minha frente e praticamente pula em cima dele, o empurrando para longe de mim.
"Sai daqui, seu filho da puta!", ela grita.
"Catarina, por favor!", ele tenta falar comigo, "Aquele áudio é antigo e está totalmente fora de contexto! Por favor, amor!"
Minha boca volta a funcionar.
"Amor?", grito, "Amor?", ando até ele, com Débora entre nós, "Seu desgraçado! Como você tem coragem?", quase dou um murro nele mas Débora me segura.
"Sai daqui agora!", ela grita para Caio, ainda me segurando, "Eu tô falando sério, da próxima vez eu não vou segurar a Cat quando ela tentar te socar!"
Caio me olha com os olhos banhados de lágrimas, "Cat, eu te juro. Não é o que você está pensando!"
"Caio, se você já amou a Catarina por pelo menos meio segundo, você vai sair daqui AGORA sem olhar pra trás!", Débora esbraveja.
Caio alterna seu olhar entre mim e Débora e então sai, voltando para o vestiário puxando seus cabelos em desespero.
No momento que ele vira as costas, me livro dos braços de Débora e me sento no assento mais próximo, sentindo as lágrimas escorrerem.
Débora se senta do meu lado e passa seu braço por cima de meus ombros, me abraçando. Nesse momento eu desisto, nem tento mais segurar as lágrimas, deixo todas caírem e choro até soluçar.
"Eu estava passando aqui em frente quando ouvi...", Débora diz ainda me abraçando.
Vingança pelo Samuel? É sério isso? Ele tem o que, 12 anos? Pelo amor de Deus. Como ele pôde? Eu só queria que ele estivesse aqui para eu poder dar um soco de verdade nele. E o pior é que eu nem consigo mentir para mim mesma, porque sei que se ele estivesse aqui, a única coisa que eu conseguiria fazer seria chorar no seu peito, me perguntando 'Por que nunca consigo ficar em paz?'.
Não sei quanto tempo se passa, comigo chorando nos braços de Débora até ficar sem ar, mas algumas pessoas já estão voltando para seus assentos na arquibancada para assistir o segundo tempo do jogo.
Débora levanta meu rosto delicadamente.
"Ei, eu sei que tem muita coisa acontecendo na tua mente, mas a nossa competição começa em meia hora, vamos?"
"Não, eu não vou", digo limpando minhas lágrimas com as costas da mão.
E era exatamente isso que eu quis dizer com 'Não quero garotos me distraindo das estaduais'.
Débora respira fundo, "Cat, eu sei que a gente se afastou e eu fazia todas aquelas provocações com você mas olha aqui", ela puxa meu rosto para eu olhar em seus olhos, "Nós nos conhecemos desde pequenas e eu sei o quanto nós duas queríamos vir para as estaduais e olha aqui", ela aponta para o lugar a nossa volta, "A gente conseguiu!", ela sorri me incentivando.
"Eu não sei se consigo, Debby", murmuro ainda fungando.
Chamar ela pelo seu antigo apelido de infância é esquisito, mas estranhamente reconfortante.
"Você consegue! Usa sua mágoa e ódio como combustível!", ela se levanta e segura minhas mãos, "Agora, vamos lavar seu rosto e beber uma água", ela diz me puxando. Fico em pé, "Quando eu ganhar de você, quero que seja de uma forma justa", ela brinca dando uma piscadela para mim.
Um sorriso escapa de meus lábios.
Apesar de toda essa merda que acabou de acontecer, fico contente que alguém tenha vindo me ajudar, e fico mais feliz ainda de esse alguém ter sido a Débora. Acho que isso é jung.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Someone To You
Ficção AdolescenteCatarina é uma adolescente de 17 anos que odeia adolescentes de 17 anos, e no 2° ano do ensino médio a única coisa que ela realmente quer é se formar e acabar com esse inferno. 01 de maio de 2020 - 16 de novembro de 2020. Revisada em 15 de maio de 2...