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Dulce

A simples curiosidade em saber o que a minha mãe tanto queria comigo me fez ceder em ouvi-la. Não pude deixar de notar que seus olhos estavam bem menos julgadores do que já estiveram em qualquer um dos momentos em que os direcionou para mim. Parecia até que ela estava sem jeito.

Assim que os meninos entraram no elevador e as portas se fecharam, Blanca respirou fundo e apertou ainda mais a alça de sua bolsa, como que para conter a tensão. Ela não olhava muito tempo para mim, sempre procurava um outro ponto seja nas paredes ou no chão.

— É melhor você dizer logo. — falei mostrando a minha impaciência.

— Eu vi a sua coletiva de imprensa. É, Dulce, você é tudo o que eu disse que você jamais seria. — ela me deu uma breve olhada de cima a baixo. — Voltou a ficar encorpada.

— Ah, pelo amor de Deus! — revirei os olhos, já prestes a desistir daquela conversa.

— Não, não estou criticando. Parece bem mais saudável agora. Como anda o tratamento da bulimia? — se eu não a conhecesse, diria que estava mesmo preocupada.

— Logicamente, eu ainda não estou curada, isso leva tempo, ainda posso ter recaídas. Mas nunca estive tão melhor quanto agora.

— Isso é muito bom. — sorriu. — Bem... — engoliu em seco. — Sobre quando você disse que foi abusada... — olhou para os próprios pés, procurando as palavras. — Na época, eu não quis acreditar em você porque isso destruiria a imagem que eu tinha do meu irmão e eu me neguei a permitir isso.

— Mas permitiu que ele saísse impune. — cruzei os braços e fiquei ainda mais séria.

— Eu sei... — fechou os olhos e suspirou. — O que eu fiz não tem perdão. Me coloquei na sua situação e entendo totalmente que tenha preferido sair de casa e ficar longe de mim.

— Você sabe que esse não foi o único motivo. — ela ergueu o olhar para mim novamente. — A minha vida inteira você me tratou como lixo. O fato de não ter acreditado em mim quando eu disse que fui abusada foi só a gota que faltava pra que o copo transbordasse.

— Eu sinto muito... — sua voz ficou embargada. — Me desculpa, Dulce... eu fui uma mãe horrível. — Ela começou a soluçar enquanto suas lágrimas caíam e eu fiquei sem reação, mas não desamarrei a minha expressão desconfiada. — Tenho feito terapia também. — enxugou o rosto. — Eu te culpei por ter nascido quando você nem pediu para existir. Eu amava o seu pai e ele sumiu assim que soube da gravidez. Isso me fez te odiar.

— Demorou muito pra se dar conta que um feto não tem culpa do mal caráter do pai dele.

— Eu sei, eu admito os meus erros. Fui uma pessoa amargurada, irritada e insatisfeita a minha vida inteira. Mas nós somos os nossos próprios demônios. Eu estava fazendo mal a mim mesma quando fazia mal a você. Quando eu te vi na primeira capa de revista, ao invés de orgulho, eu senti inveja. — ela parecia envergonhada em ter que admitir isso. — Larguei a minha carreira por sua causa, porque naquela época não existia essa coisa de aceitação, todas tínhamos que ser magras e sem marcas. E eu te vi magra e linda numa campanha. Meu sangue ferveu, ao invés do meu coração se aquecer.

— Eu me tornei uma péssima pessoa por sua culpa. Você me fez pensar que criticar alguém, ser ácida e apontar os defeitos das pessoas eram uma maneira de mostrar que eu me importava com elas. Isso me afastou de muita gente, me fez odiar o meu corpo, me machucar... Agora você me pede perdão. — bufei.

— Não precisa me perdoar, Dulce. Eu vou entender se não fizer isso, porque sei que é difícil perdoar anos de tortura física e psicológica. Só queria que soubesse que eu estou tentando ser melhor.

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