O início para Kurt

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  Os ventos do outono faziam trepidar o vidro da janela do apartamento de Kurt, não de uma forma incômoda, mas suave. Não que Kurt fosse notar, estava de fones de ouvido escutando The Other Me do Roman Rouge. Seus olhos castanhos não desgrudavam da tela do notebook, escrevia uma história que sua imaginação fértil estava criando.    Sempre fora um admirador da leitura, portanto com o passar do tempo a escrita foi se mostrando ainda mais atraente para ele. Começou a escrever coisas aleatórias aos 14 anos e nunca parou desde então. Comumente faz isso quando seus sentimentos estão embaralhados e não sabe distinguir qual é qual, o que praticamente acontece todos os dias. E ali estava ele, na sua escrivaninha do lado oposto à sua cama de solteiro. Não havia escrito mais que 548 caracteres, estava pensando sobre o que dissertar há um tempo, mas parece que a inspiração que estava pairando no ambiente naquela noite deve ter saído pela fresta da porta entreaberta. Olhou o relógio, já passavam das duas da manhã. Deu uma espiada na janela respingada pela chuva e não pode conter um sorrisinho, Kurt amava a chuva. Por fim reparou na sua caneca de café vazia. Pensou em completá-la novamente, mas teve uma ideia melhor: descansar. 
  Nos quatro passos que precisava dar para chegar até sua cama perguntou a si do que necessariamente precisava descansar. Seus registros mentais fizeram todo o trabalho procurando respostas e em menos de dois milésimos de segundos, voilá! seu cérebro já estava com uma lista de coisas como por exemplo ter desempacotado todas as suas coisas de sua mudança recente para Nova York, arrumado tudo isso em menos de três dias, ter cozinhado, lavado suas roupas e limpado a poeira que devia estar naquele apartamento de dois cômodo há uns meses. Ele tem aquilo que a mãe dele chama de "mania de organização", algo que ela de jeito nenhum chegou a reclamar, muito pelo contrário. O apê já vinha com a mobília, então não demorou muito para deixar aquele lugar aconchegante, com direito a estantes e prateleiras cheias de livros e espaço para o café. 
  Já fazia mais de trinta minutos que estava deitado em sua cama, mas ainda assim não conseguiu pegar no sono. Então levou as mãos na altura do tórax e ficou tamborilando os dedos em seu peito. Seu coração estava acelerando conforme ia pensando em coisas como a faculdade que começaria em menos de cinco dias, como seria seu futuro, se amanhã estaria ainda se sentindo péssimo consigo mesmo sem um motivo específico, se as coisas aconteceriam conforme o planejado. Enfim, nada muito fora do comum para Kurt que estava acostumado a sentir tudo e nada ao mesmo tempo. 
  Kurt sempre foi um cara muito sensível desde pequeno, um temperamento um tanto distinto daquele que sua família possuía. Ele era uma criança do tipo que quando estava alegre estava estonteante, mas o contrário também acontecia quando se entristecia com algo, não importava por maior ou menor que fosse o motivo que o fizera sentir-se assim. Nos anos anteriores isso havia se intensificado, abrindo margem para inúmeras questões que ano após ano só faziam crescer. Mas sempre manteve muito silêncio com relação a isso. 
  Ele não era do tipo que conversava muito, era muito na dele, bem tímido. Um cara de poucos amigos, mas que sabia valorizar e se importar com todos aqueles que o rodeavam.
Porém ainda que estivesse no meio de uma multidão sempre se sentia assim, sozinho. 
  Vinha de uma raiz bem religiosa, fazia parte da quinta geração de cristãos da família. Quanto a sua fé era polido, um exemplo e motivo de muito orgulho. Cresceu num lugar no qual foi muito bem assistido por seus pais, portanto sempre estudou nas melhores escolas, viajavam frequentemente ao exterior e morava na melhor casa e num dos melhores bairros da cidade de Seattle, onde havia nascido. Seus pais eram advogados bem sucedidos e muito respeitados, então ele não poderia ser diferente. Sua conduta foi moldada desde cedo para ser impecável, mas felizmente sua família não teve muito trabalho ao incutir isso nele.    Contudo apesar de se portar muito bem, ter as melhores notas e sua espiritualidade desenvolvida sabia que se somente dez por cento do que se passava em seu coração fosse sabido por sua família estaria perdido. Por isso, seu silêncio valia mais de dois milhões de dólares ou sabe-se lá quanto ele achava que valia sua própria vida e reputação.    Mas agora estava prestes a começar sua faculdade de medicina e estava morando sozinho no nono andar de um apartamento em East Village, a uns poucos quarteirões da NYU - New York University. Sabia que alguns hábitos iriam mudar após sua mudança para uma outra cidade, só não tinha ideia que sua vida nunca mais voltaria a ser a mesma ao estudar e morar na "Cidade que Nunca Dorme". 
 
  Eis que chega seu primeiro dia de aula. Mal conseguiu dormir. Então levanta um pouco mais cedo do que o necessário e liga a cafeteira. Ao sair do banho ele toma calmante o seu café e olha o seu celular para saber das primeiras notícias do dia. Quando já estava quase na hora de sair pegou sua mochila, pôs o notebook e tudo o que precisaria para as aulas do dia. Entrou no elevador em direção ao térreo e finalmente chegou ao saguão do edifício. Ao sair respirou fundo, seu coração estava acelerando e ardente de expectativa. Porém mal sabia ele que quando colocasse os pés naquela universidade naquele mesmo dia se iniciaria uma nova etapa da vida ao qual nunca havia se preparado.

Seus olhos percorreram por toda a sala e se apossou rapidamente da primeira carteira ainda vazia, sentindo um alívio por ninguém tê-lo notado até então. Uma mulher morena, não tão alta assim passou por ele e sentou próximo, evitando o contato visual com a mesma, porém, sentiu os olhos castanhos escuros como se o avaliasse, e isso era algo que deixava Kurt um tanto incomodado.
Após a interrupção de uma loira um tanto alta, o rapaz manteve o foco nos slides pois Anatomia era sua matéria preferida, até a professora falar sobre o trabalho em dupla e isso fazê-lo odiar e abominar tudo o que estava envolvido.

- Droga, droga, droga - os pensamentos de Kurt gritavam em seu cérebro, até notar o sinal feito com os dedos pela morena ao lado e acabou acenando com a cabeça, em concordância para a dupla formada. O que Kurt não sabia ainda, é que a garota morena, seria sua melhor amiga, até o fim.

Anatomia do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora