Noites, dias morrendo de dor, fui levado cheio de queimaduras. Duas semanas depois, ainda estava paralisado em minha cama, me sentia paralisado literalmente. Eu entendia que minhas cicatrizes assustavam a pessoas. As feridas expostas, apenas panos com água como tratamento mais eficaz para abrandar o calor que me queimava as entranhas e a alma. As, as mulheres que cuidavam de mim, eram almas abnegadas, usavam pomadas que elas mesmo faziam. A dedicação a qual elas dedicavam a mim era de puro amor, eu sentia muita gratidão. Meu corpo estava se desfazendo e apodrecendo, eu sentia os ossos a cada toque delas, e sabia que não se recuperaria.
Lilith, era aquela quem estava por perto sempre, lia para mim, e dava as orientações de como fazer tudo, onde por pomadas, os panos que tiravam as queimações causadas pela explosão do tambor de querosene. Eu não lembrava direito de como foi que aconteceu, mas o que sentia, depurava meu espírito. Haras, vinha me visitar todo dia, estava aos cuidados daquelas Damas da Noite. Ela entrava dava uma ou outra ordem e saia. Eu não falava, não me levantava, e não dava sinal de vida, senão pela minha respiração, hora rápida pelas dores, ora passiva quando dormia, aliás para elas eu estava sempre no estagio vegetativo, não viam melhora... Parte da minha garganta estava em carne viva, eu sentia o cheiro da carne queimada saindo do meu corpo, sabia que meu tempo na terra seria por poucos dias...
-Lilirh, dê pra ele aquele remédio para dormir, mantenha ele adormecido, as dores devem ser muito forte, queria poder falar com ele, mas sei que não poderá me responder.
-Haras, sei que sente culpa, mas não deve, não sabiam o que aquela mulher planejava. E pode ficar tranquila, ele está sendo muito bem cuidado, todas nós que você escolheu para cuidar , estamos cumprindo com amor.
-eu sei, mas sinto uma necessidade de vir aqui sempre, isso nos abalou muito, perder este homem, será uma perda terrível. Deveria ter previsto, mas agora é lidar com isso aqui, temo que ficará para sempre com cicatrizes horrendas, se conseguir sobreviver. Cochichando com a amiga irmã
-Minha amiga, ele é forte, vamos fazer corrente de oração, para que ele se faça curar. Cicatrizes podem ficar, mas temos que ajudá-lo a curar as feridas internas, que atingiram órgãos, pode durar muito tempo, seu rosto ficará desfigurado, parte do corpo também, mas se sobreviver é por conta de nosso Deus.
-Sei disso, e me dói muito ver um homem tão lindo, ficar nesse estado. Eu ouvia tudo, mas nem me mexer eu podia. Estava preso ao meu cárcere físico. Os dias vinham e partiam, pelo ângulo que eu avistava a janela, podia saber se tinha ou não o sol, sentia vontade de caminhar, andar a cavalo, viajar, mas também assim como elas, sabia que meus dias na terra seria de muito sofrimento, então comecei a rever tudo, e a pedir perdão, mesmo que eu não me arrependesse de ter tirado vidas. Como eu podia me arrepender de ter tirado vidas que escravizava pessoas? Pedia perdão por não poder me arrepender. Refletia sobre minha vida e, queria me perdoar antes de mais nada. Por vezes, carregava frustrações e arrependimentos, e esse peso era devastador. Reviver o que tinha para lembrar , colocar um ponto final nessa negatividade, porque ela só me levaria pra baixo e de lá não era fácil sair.
Por um longo tempo, acreditei que pudesse ser a pessoa que tanto achava ser justiceira. Talvez por isso tenha me pressionado e estragado tudo, mas foi com as melhores das intenções. Eu dizia para mim mesmo: Errar é humano e sempre será. Não me preocupava, porque somos seres humanos e estamos suscetíveis ao erro. Tinha que ter tido a humildade de reconhecer. Meu cérebro vagava em mil pensamentos, a dor me deixava aéreo, nada racional. Mas minha consciência, aquela onde Deus atuava, me chamava para ver meus erros perante a vida.
Se considerais ter agido mal, arrependei-vos, corrigi os vossos erros na medida do possível e tentai conduzir-vos melhor na próxima vez. E não vos entregueis, sob nenhum pretexto, à meditação melancólica das vossas faltas. Lembrava dos meus amigos católicos falando da Bíblia... Rebolar no lodo não é, com certeza, a melhor maneira de alguém se lavar. Então, que não se arrependa. Que guarde na memória, que termine com a sensação de ter degustado por completo, mas como quem sai da mesa antes da sobremesa, com a impressão que poderia ter se fartado um pouco mais. E que, até o último dia da vida, espalhe delicadamente a história, como se ela tivesse sido a mais bela história de da sua vida. E que uma parte de você acredite que ela foi, de fato, a mais bela história de uma vida vida.
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Senhor Exu Pinga Fogo
SpiritualPor longos anos, o Conde Von Kurl Hansen, "Exu Pinga Fogo", espírito da linha da nossa amada Umbanda, viveu na Inglaterra no século XVI uma vida com imensa crueldade, pondo por fim na vida de muitas pessoas. Alguns mereciam dentro do seu julgamento...