Ao me deitar naquela noite, ainda podia sentir o cheiro do querosene misturado à carne do verme que me queria morto. Minhas roupas que joguei para lavar fedia a fogo e fumaça. Meus sentidos ainda atordoados pelos gritos daquele que me deu emprego, casa e comida, e nunca deixei de pagar pelos serviços prestados a minha casa e a mim, alias muito bem pago.
Quando conheci Zeck, na Sibéria. Ele era um russo muito elegante, cabelos loiros e de olhos negros, as vezes assustador, mas não tinha nada para ser assustador pois era apenas aparências. O homem jovem de nome Zack, trabalhava naquele bar à beira do rio gelado da Sibéria. Lembro-me bem que quando entrei e o sino na porta tocou ele sorriu para mim, como dizendo "Boa noite". entendi o cumprimento e me sentei no balcão do bar, estava tão gelado que precisava de algo para me aquecer, então pedi conhaque e fiquei a ouvir o embalo da música local aos fundos.
Nem lembrava do que fazia naquele lugar tão gelado. O clima siberiano varia dramaticamente. O inverno é longo e dura entre 6 e 7 meses por ano. ... O vilarejo de Oymyakon, em Yakutia, localizado no leste da Sibéria, tem temperatura que chegava a 67,7ºC. Os vidros do bar estavam embaçados, o que eu via era apenas penumbras do lado de fora e luzes como parecidas com lamparinas. Me odiava por estar nesse lugar, mas tinha negócios e eu ia onde eles estavam, não devia reclamar, pois minha fortuna cresceu muito depois desse dia.
Zack era solteiro, os pais haviam morrido ainda muito pequeno e morou até atingir a idade de 18 anos em orfanatos espalhados na região, conhecia muito disso, contava histórias estarrecedoras de como essas crianças viviam e que muitos morreram com o frio. Aliás, pensava em ir conhecer um orfanato, queria ajudar, doando uma parte do dinheiro que receberia no negócio que faria . Quando Zack me contava, uma onda de ódio se apoderava de mim, e um grupo se aproximou do balcão para ouvir. Todos estavam calados, e eu pude ver lágrimas no rosto de alguns deles. Seria por compaixão da História ouvida ou teriam tido a mesma História?
Passava da meia noite quando resolvi ir embora para o hotel que ficava do outro lado da rua, quando avistei um jovem vindo na minha direção. Dei espaço para que ele passasse, já que a calçada que era muito estreita estava dos dois lados cheia de neve, sobrando um pequeno corredor ao meio para que passássemos. Ele começou correr, quando estava perto de mim caiu ao meus pés. Ele havia escorregado na neve que teimava em cair. Eu mais que depressa o segurei pela mão direita para levantá-lo, mas o que ele tinha na mão me assustou ,vi um punhal de cabo vermelho. Fingi não ter visto e o levantei, atrás de mim estava Zack, que não tinha percebido sua chegada.
-Você aqui, já te falei não apareça por aqui, queria assaltar ele? O rapaz que cobria o rosto com um cachecol, mas não podia esconder o punhal que nós dois olhávamos.
-Desculpe Zack, mas tinha que fazer, minha mãe está doente e preciso de dinheiro.
-Você não precisa roubar, era só ir até mim e pedir. Zack tirou do bolso umas notas e o rapaz saiu em disparada pelo beco. De imediato tirei dinheiro da carteira e lhe dei.
- Tome essa minha recompensa por ter salvo minha vida. Zack abriu os olhos, ia recusar mas apenas deu um sorriso e disse:
-Obrigado Senhor...Se apresentaram.
-Meu nome é Conde Von..
-Muito prazer o meu é Zack, só Zack. Depois daquele dia nos tornamos amigos. Aquele Russo conhecia muitas pessoas da cidade, e foi de grande ajuda, o contratei para que fosse meu gerente de "negócios".
Ainda na Sibéria, Zack foi de grande ajuda quando pernoitamos num hotel, o qual era muito insalubre, e mal tinha água, pois com a temperatura muito baixa não tinha água líquida para banho e eu sonhava com uma banheira de água quente, meus ossos doíam.
Era quase o amanhecer quando ouvi toque na porta, saí para atender e era Zack, que dizia para eu que eu arrumasse tudo, pois tinha perigo de deslizamento de geleira onde estávamos, às pressas arrumei tudo e saímos, a partir daquele dia via nele pela segunda vez que ele seria de grande ajuda, eu não estava errado ao propor ser meu gerente. Durante toda a viagem nunca havia percebido qualquer coisa que o desabonasse, para eu sentir que devia desconfiar, só fui descobrir após meu desencarne, que quando ele me salvou do garoto que iria me apunhalar por causa de dinheiro e também do hotel era ele que havia montado o esquema para me roubar. Ele ao longo de todo tempo que trabalhou na minha casa, me roubava peças de pratarias, e vendia. Mas eu não tinha o direito de ter feito o que fiz com ele.
Eu arquitetava, como me vingaria daquele jovem homem que eu confiei, e que agora queria me matar. Precisava ser perfeito, e seria, então arrumei um grande latão desses que na época era feio para colocar óleo nas embarcações, e pedi que trouxesse da cidade, todos ficaram curiosos para que usaria aquilo, mas não precisei dar explicações, afinal eu fazia o que queria.
Nessa noite, pedi que Zack viesse falar comigo no porão de minha residência enorme, ninguém notaria, pois todos já haviam se recolhido, falei sobre a limpeza do lugar, que havia ratos e outros bichos, do qual estava abandonado, para que ele não desconfiasse. Então no descuido bati com um porrete na cabeça dele, e ele caiu ao meus pés. Fiquei ali a olhar aquele que tanto confiei e rápido, o carreguei para o lado de fora, onde o latão estava, o joguei lá dentro. E jogando três galões de querosene dentro atei fogo, ele começou a gritar , tudo ardia quando vi Benjamin se aproximar.
-Senhor precisa de ajuda com alguma coisa?
-Não meu amigo, está tudo resolvido. Benjamim me olhou nos fundos dos olhos, percebi um olhar de agradecimento.
-Senhor vou me recolher, obrigado por tudo que fez e faz por mim.
-Não precisa agradecer nada, tudo que faço é para que tenha boa estadia em minha casa. Mas antes que se vá, amanhã partiremos para a África, tenho que fazer negócios por lá. O navio parte às seis. Iremos com um cargueiro de um conhecido que transporta coisas ilegais.
-Está bem senhor, vou arrumar minhas coisas. E assim ele saiu, havia percebido alguma coisa? Nunca soube.
No outro dia bem cedinho, depois da tal noite que nem dormi, partimos para o continente africano, direto para a África do sul. Ficamos no lugar por seis meses, não sentia mais vontade de voltar. Até que recebi uma proposta:
-Benjamim, decidi ficar por aqui, vou fazer negócios aqui, e não pretendo voltar tão cedo para a Europa. Vou arrumar um lugar para comprar e aquecer nossos corpos , quem sabe para sempre.
-Está bem senhor, respeito e acato sua decisão, sinto felicidade de poder voltar a minha Pátria do coração. Há muito tempo sonhava em vir conhecer, e se me der permissão vou até Moçambique, quero conhecer as terras que nasci.
-Então você é da África, que bom que está feliz, vou com você, preciso ampliar meus negócios nesta terras tão fértil.
-Sim nasci em Moçambique, ,sai muito jovem quando fomos roubando e levados como escravos para Europa. Meu pai era o rei do lugar, eu era um príncipe, tinha irmãs e irmãos mais novos. penso no meu pai e minha mãe que nunca soube o que aconteceu comigo.
-Como foi isso meu amigo?
-Eu estava correndo entre as plantações naquele dia, quando senti que pisei em alguma coisa no chão que afundou, era uma armadilha dessas que faz para animais, fiquei ali por 3 longos dias, achei que logo minha família me acharia, mas o que aconteceu foi bem ruim. Após 3 dias sem água e comida, quase sem forças, dois homens, brancos, me tiraram do buraco, e eu ingênuo os agradeci, mas para minha surpresa, um deles me amarrou e ai percebi que estava nas mãos de escravistas. Mais tarde vi que não era apenas eu, tinha mais.
--Benjamim, tudo passou, tu és um homem livre, pode ir onde quiseres. Se quer ir ver sua família, tem total apoio.
-Muito obrigado senhor, quero sim.
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Senhor Exu Pinga Fogo
SpiritualPor longos anos, o Conde Von Kurl Hansen, "Exu Pinga Fogo", espírito da linha da nossa amada Umbanda, viveu na Inglaterra no século XVI uma vida com imensa crueldade, pondo por fim na vida de muitas pessoas. Alguns mereciam dentro do seu julgamento...