Time

457 67 142
                                    

Oi, pessoal! Esse capítulo é mais curto, porque inicialmente ele continuaria com uma outra cena, mas senti que não seria o adequado para o momento...Gostaria que vocês o lessem ouvindo essa música: https://youtu.be/cDVgcCaPHik?t=1

Leiam as notas finais e boa leitura.


-----

Na escala do tempo, como é possível medir uma vida? Nos noves meses que passam a partir do momento em que dois gametas se entrecruzam e germinam uma nova célula, dando origem a um embrião que se desenvolverá como hóspede no corpo de outra pessoa? Nas longas e sôfregas horas de um trabalho de parto que marca a passagem para o palco onde a vida verdadeiramente acontece? Nos anos de trajetória percorridos? Ou nos instantes sublimes em que o corpo desfalece e se torna carne inanimada, matéria que o universo há de decompor? Talvez seja na medicina onde fique mais notório o quanto o tempo é crucial para entender uma vida, afinal, segundos são decisivos para determinar se alguém ainda pode ser salvo ou não. Mais do que nunca, a vida ali está nos detalhes.

Nas unidades de emergência, nos centros cirúrgicos, ambulatórios e até nas salas de recuperação pós-cirúrgica, muitos desses detalhes são captados a partir de um monitor de sinais vitais, encarregado de informar a frequência respiratória, pressão arterial, temperatura e até mesmo a frequência cardíaca de um paciente. Isso permite que a equipe médica possa acompanhar a evolução ou piora no quadro clínico e detectar de modo imediato alterações cardíacas, como arritmias. Nesses casos, o ritmo do bombardeamento do sangue pelo coração se desregula, causando uma fibrilação atrial que, em situações mais severas e de risco de vida, pode ser revertida com um desfibrilador, a partir da descarga elétrica no coração para que ele retome o ritmo de seus batimentos.

Mas isso diz respeito a uma narrativa científica, e a vida é grande e complexa demais para ser apreendida com tal exatidão. O coração, órgão tão central na anatomia humana, foi apropriado em diversas outras narrações, tornando-se a metáfora mor por onde se manifesta o subjetivo da alma humana. Não é, pois, no coração onde se formula o amor, onde se palpita a euforia e onde se aperta o sofrimento? Não é nele onde guardamos os nossos afetos e escondemos nossos medos? E se assim o é, toda essa imaterialidade, toda a essência etérea do coração não consegue ser assimilada pelos eletrodos presos no peito de um paciente que conduzem as informações cardíacas até a tela do monitor de sinais vitais.

Mas e se fosse possível? Se por um erro de cálculo a ciência se tornasse capaz de compreender o abstrato, de alcançar o inatingível? Se para além dos aspectos fisiológicos, aquele monitor pudesse apreender o estado metafísico de um coração, todo o sofrimento que passa despercebido pelos índices médicos? Se isso fosse possível... quantos corações seriam diagnosticados como severamente enfermos, mesmo com regulares frequências cardíacas?

Se isso fosse possível, algum desfibrilador seria capaz de reverter o estado de melancolia de um coração?

Ainda estava tudo escuro quando aos poucos Sasuke começou a retomar seus sentidos. Um bip continuado chegava aos seus ouvidos, mas o som parecia muito distante e distorcido, como se ele estivesse dentro d'água e os sons do mundo acima de si fossem longínquos e estrangeiros. Algo internamente o alertava que talvez ele não devesse nadar até a superfície, algo tentava lhe convencer que permanecesse ali, submerso na profundeza das sombras das águas. Mas o bip ritmado continuava e se tornava cada vez mais alto, como se aproximasse mais e mais, atordoando seus pensamentos. Não custou até que aquele som ficasse ensurdecedor, e Sasuke cedo notou que já não se tratava do bip de antes; era mais preciso, mais agressivo, mais assustador... como tiros. Os disparos no universo onírico foram o suficiente para que o Uchiha arregalasse os olhos, despertando de supetão com o sonho perturbador, as pálpebras contudo logo voltando a se apertar diante da iluminação tão branda do ambiente em que estava. Piscou os olhos algumas vezes para se adaptar com a quantidade de luz, não reconhecendo aquelas paredes tão brancas ao seu redor. Notou que estava deitado e, por algum motivo, seu corpo parecia pesado demais para que ele se levantasse, como se estivesse exausto e debilitado para se esforçar. Arrastou, assim, os olhos escuros para o lado, observando um aglomerado de aparelhagem que não era familiarizado e finalmente conseguiu descobrir de onde vinha o bip que ouvira. Um monitor de tela preta registrava diversificados dados que ele sequer se importara de conferir, mas acreditava que um desses dissesse respeito à sua frequência cardíaca, a qual estava sincronizada com os alertas que o monitor emitia, em perfeitamente ritmados bips.

DikéOnde histórias criam vida. Descubra agora