– Infelizmente, é muito comum que subestimem a influência do mundo antigo na contemporaneidade. Mas acreditem, analisar essas sociedades nos permite visualizar muito melhor como a nossa se construiu. – A voz calculadamente alta conseguia preencher todo recinto e captava curiosamente a atenção de todos os que estavam presentes. As palavras eram ditas com segurança e naturalidade, como se quisessem se fazer acessíveis para atingir a compreensão de todos os ouvintes. Embora já cansado e com a garganta irritada pelo esforço contínuo, prosseguiu com um sorriso animado no rosto ao girar em torno de seu próprio eixo. Por alguns segundos, abandonou os presentes à sua frente para virar-se para o quadro às suas costas, erguendo o braço para escrever o próximo tópico da discussão, procurando o espaço mais vago em meio a todos os pontos que já havia escrito ali. Sua caligrafia não era das melhores, mas ainda assim se pôs a escrever, observando os traços que o giz branco em seus dedos começava a gravar no extenso quadro verde. – Então logicamente não poderíamos prosseguir com esta disciplina sem falarmos sobre a Grécia Antiga.
– Sobre as cidades-estado, professor? – Ouviu a pergunta e assim que terminou de escrever voltou-se em direção aos alunos. A sala estava cheia, de forma que era difícil encontrar alguma carteira vazia dentre as 80 que estavam dispostas numa espécie de arquibancada, sobrepondo-se umas as outras. Os olhos azuis vagaram pelos alunos para encontrar de onde veio a pergunta, e assim que encontrou a moça com o braço erguido, retomou a fala.
– Sobre a pólis, Moegi. "Cidade-Estado" é uma tradução meio inapropriada, nos leva a imaginar algo como a nossa ideia atual de cidade, um centro urbano, e não era assim que ocorria, de fato. Mas que bom que você pontuou isso, era algo que eu queria mesmo ressaltar... Esse pequeno erro é comum e nos prejudica no entendimento da essência da história do Direito na sociedade grega. – Deixou sua atenção focada especialmente na aluna enquanto falava, a vendo sorrir e assentir para que ele continuasse, o olhando de forma curiosa e gentil, mesmo tendo acabado de ser corrigida. – Um termo mais apropriado é "Estado-Cidadão", já que antes de qualquer instituição física, o mais importante eram os direitos constitucionais de cada cidadão grego. E por "cidadão", entendem-se todos aqueles que, nos parâmetros daquela sociedade, fossem dignos de cidadania. Uma vez cidadãos, eles poderiam efetivamente participar das decisões políticas da pólis. Os helenos, aliás, possuíam códigos de conduta de caráter constitucional que descreviam os direitos e deveres de cada um.
Sanada a dúvida e observando todos fazendo anotações em seus cadernos, novamente foi até o quadro. Onde havia escrito "Grécia Antiga", desenhou uma seta e logo escreveu "Polis -> Estado-Cidadão".
– Também foi na Grécia Antiga que surgiu o embrião da democracia. Poderíamos passar horas e mais horas só discutindo esse conceito, mas, de forma geral, a base da democracia era a liberdade. Destruir a democracia seria destruir a liberdade que os helenos conquistaram depois da expulsão dos "tiranos", portanto, ela deveria ser zelada, mantida e protegida. – De volta ao quadro, puxou mais uma seta e lá escreveu "Democracia -> Liberdade". Deixou o giz no apoio do quadro e virou-se para a turma, dando alguns passos para que pudesse ver e ser visto por todos. Parou no meio da sala e o cansaço de lecionar sua sexta aula do dia não o abateu quando falou claro e pausado, num tom quase melodioso e poético. – E, oras, não é exatamente esse o nosso objetivo? "Defender a liberdade, pois sem ela, não há direito que sobreviva, justiça que se fortaleça e nem paz que se concretize"?
Citou o juramento de sua profissão com orgulho e sentiu um arrepio discreto percorrer seu corpo ao ver o olhar determinado de seus alunos ao escutá-lo. Era por essas e outras que Uzumaki Naruto não conseguia, nem pretendia, deixar de lecionar, mesmo que já fosse um advogado respeitado na região. Aliás, não conseguiria se privar de nenhum dos dois ofícios: em sala de aula, ele era contemplado com a interação de ensinar e aprender cotidianamente, e isso o fascinava; nos tribunais, saciava sua sede de ajudar o próximo e fazer o mundo um lugar menos corrompido.
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Diké
RomanceEntre os gregos antigos, recorriam ao culto da deusa Diké aqueles que clamavam pela Justiça, sabendo que a divindade impiedosa não pouparia os corações nefastos e traiçoeiros. A musa tornou-se então o símbolo mor daqueles que em seu ofício lutam pel...