A paleta de cores que adornava as paisagens nos últimos dias mostravam um esplendor sublime que só a natureza conseguia orquestrar, em sua nobreza e autonomia ímpar. Os troncos afilados e escuros das árvores altas subiam até se perderem no emaranhado das folhas que variavam em suas tonalidades, assumindo nuances amareladas, alaranjadas e, até mesmo, num tom mais vivo e rubro. Algumas, já secas, desprendiam-se dos galhos, levadas em sua queda pelo embalar gentil do vento, até repousarem sobre o solo, cumprindo a sentença de mais um ciclo, e juntavam-se às outras que também tinham cedido à fatalidade do tempo e agora formavam uma camada alaranjada no chão. E para complementar a imagem de uma típica tarde de outono, tons de azuis dançariam pela infinitude dos céus, arrematando o conjunto de nuances que coloriam cotidianamente os dias naquele período.
Mas aquela tarde, em específico, não era uma típica tarde de outono e, tão logo, as cores pareceram entender o recado. Desse modo, ao invés de um azul límpido, um céu acinzentado e hostil estendia-se no alto e as nuvens movimentavam-se inquietas, como se estivessem em uma batalha celeste, ameaçando uma tempestade que não era comum para aquela época. Com o tom frio do dia, as próprias árvores perdiam um pouco de sua suntuosidade, de forma que as folhas coloridas não vibravam como de costume, pois já não eram mais favorecidas pela luz branda de um céu anil. A temperatura, já singela naqueles meses, decaíra ainda mais, surpreendendo as pessoas na rua que andava apressadas e desprevenidas, espantadas com o frio repentino.
No salão onde estava, aquecido artificialmente, Sasuke não era afetado pela queda brusca na temperatura, mas sentia claramente toda a amargura do tempo lá fora. Seus ouvidos eram preenchidos pela voz copiosa do sacerdote que proferia amiúde sutras com os quais ele não era familiarizado, e a fumaça densa dos incensos terminavam de compor misticamente a imagem a sua frente. Os lírios esbranquiçados preenchiam grande parte do altar que fora montado, e os arranjos de flores naturais dividiam espaços com os candelabros de prata, onde grossas velas brancas expunham suas pequenas chamas. Quando observou Itachi, a sua frente, se afastar do altar para silenciosamente caminhar para uma parte mais recuada do salão, onde estavam dispostas algumas cadeiras, Sasuke aproveitou a passagem livre para dar alguns passos para frente, aproximando-se da plataforma até parar em frente ao caixão, uma estrutura de madeira branca completamente entalhada com arabescos delicados na superfície superior. Sentia ainda a mesma secura que tomara sua boca quando soube do falecimento de Hyūga Hanabi, mas aquele momento era incomparavelmente mais angustiante, pois já não tinha mais o benefício da dúvida ou da incredulidade. Estava ele exatamente ali, na cerimônia fúnebre, e aquele momento não lhe dava margens para incertezas. Tudo era cruelmente real.
Sentiu os próprios dedos apertando a haste verde que sustentava o lírio que tinha em mãos, e antes que ele pudesse danificar a delicada flor, decidiu seguir com a ritualística do ato e depositá-la cuidadosamente sobre a superfície do caixão, vendo que a madeira branca já estava quase completamente coberta pelas flores que amigos e parentes tinham trazido, como uma última forma de homenagem. Os olhos negros ergueram-se novamente para os arranjos de flores que ornamentavam o ambiente, e se fixaram na fotografia que estava no centro do altar fúnebre, mirando por longos segundos a imagem de Hanabi a sua frente. Os longos cabelos castanhos pendiam para trás, provavelmente presos em suas costas, mas algumas mechas dos fios lisos caíam nas laterais de seus rosto e sobre o tecido bem arranjado do quimono alaranjado que ela trajava na fotografia. Um pequeno sorriso astuto moldava seus lábios, mas era pelos olhos, tão claros como cristais, que toda sua essência transbordava e relembravam a todos os presentes da determinação, perspicácia e delicadeza que marcaram tão fortemente sua curta trajetória.
Sasuke tinha um pesar fraternal em seu semblante, como se a partida de Hanabi tivesse o levado a experimentar com duras doses de realismo a perda de uma irmã mais nova. Engoliu a seco, oferecendo, por fim, o lírio, recordando da preferência que a jovem mulher tinha pela flor. Sabia que aquele era um momento de orações e despedidas, mas tudo que o Uchiha pôde fazer, ao observar a fotografia de Hanabi uma última vez, foi prometer-lhe justiça. Ao se afastar, observou com o canto dos olhos Shisui ir adiante ao chegar a sua vez de ir até o altar, respeitando a fila que estava formada para organização das homenagens.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Diké
RomanceEntre os gregos antigos, recorriam ao culto da deusa Diké aqueles que clamavam pela Justiça, sabendo que a divindade impiedosa não pouparia os corações nefastos e traiçoeiros. A musa tornou-se então o símbolo mor daqueles que em seu ofício lutam pel...