As vozes do ambiente eram ininterruptas. Várias sentenças e timbres se misturavam, de forma que não dava para prestar atenção em um só, o que acabava formando uma disforme massa sonora que só incomodava. E incomodava, especialmente, o homem sentado à mesa daquele restaurante. Ele acreditava que restaurantes italianos eram particularmente mais barulhentos que os demais e só se propunha a enfrentar o incômodo para ser recompensado com seus pratos preferidos. Isso quando não era posto à prova com um atraso de quarenta minutos de quem o acompanharia naquela refeição.
Seu cotovelo estava apoiado na superfície mesa enquanto o queixo se sustentava na palma da mão. Mesmo com a poluição sonora, tentava persuadir o próprio sistema auditivo para que só prestasse atenção no barulho de suas curtas unhas se chocando constantemente com a madeira brilhosa da mesa, enquanto ele tamborilava seus dedos em visível impaciência. Um suspiro demorado escapou por entre os lábios quando ele saiu daquela posição e se recostou no estofado macio da cadeira, podendo ter uma visão mais ampla do ambiente. Já conhecia bem o local, mas nunca deixava de apreciar como o restaurante era sofisticado e, ao mesmo tempo, acolhedor. Achava cada vez mais difícil que nos dias atuais conseguissem mesclar bem as duas coisas; muitos lugares apostavam em exagerar na tecnologia para soarem modernos, mas acabavam perdendo certo charme.
Era sábado, horário de almoço, então quase nenhuma mesa estava vaga. Se já não fosse cliente antigo do restaurante, com certeza o garçom já teria ido até si perguntar se seu acompanhante realmente viria, para, caso não, mudá-lo para uma mesa menor. Tentando ignorar sua pasta executiva sobre uma das cadeiras que o recordava do tanto de coisas que tinha para fazer, começou a passear seus olhos sobre as pessoas. Conseguia ver famílias, casais, amigos e até mesmo pessoas que decidiram aproveitar apenas a própria presença. Era curioso, e ele achava que nunca se acostumaria, ver quase todas as pessoas com algum aparelho de celular em mãos, seja mandando mensagens ou apoiando-o na lateral do rosto em uma ligação. Não era especificamente o uso massivo de celulares que o atiçava, mas sim ver o brasão da sua família cravado em quase todos aparelhos.
Discreto, mas lá estava. O pequeno leque, no próprio aparelho ou nas cases, representando que aquele celular era um produto da empresa MKT, multinacional dominante no mercado de tecnologia, com renomeação mundial. Talvez nunca caísse a ficha para Uchiha Sasuke que ele era herdeiro de uma das maiores empresas do país. Ou melhor, que ele seria o herdeiro se não tivesse seguido um rumo completamente diferente do seu pai e se tornado apenas um advogado.
A MKT Coorporation ganhou a abreviação do nome de sua mãe, Uchiha Mikoto. Seu pai, o grande empresário Uchiha Fugaku, sempre lhe contava que antes a empresa se chamava Mangekyō, mas havia mudado de nome em homenagem à esposa quando ela faleceu ao lhe dar a luz. Fugaku nunca deixou que ele se sentisse culpado pela morte prematura de sua progenitora, pelo contrário, sempre fez questão que seus filhos se orgulhassem da mãe e de seus negócios. Como pai solteiro, o homem cuidou de seus filhos e batalhou para que a MKT, ainda pequena na época, disparasse no mercado e se tornasse pioneira no avanço de tecnologia de computadores, tablets, celulares e demais aparelhos. Vinte e sete anos depois, a empresa basicamente ditava como seriam os próximos passos dados no mundo tecnológico. E pelas conversas que Sasuke ouvia do pai, os negócios não paravam de avançar; mesmo em seus 54 anos, Fugaku continuava fechando parcerias e contratos com outros empresários. Por isso, duvidava piamente que qualquer pessoa daquele restaurante não tivesse pelo menos um produto fabricado pela empresa do patriarca Uchiha.
Provavelmente, sua família possuía dinheiro o suficiente para sustentar muito confortavelmente as próximas 20 gerações.
Mas, como já dito, ele não se interessava. Assim como seu irmão, Uchiha Itachi, não se interessou pelo mundo da tecnologia, para desgosto do pai que futuramente teria de passar a presidência para algum sobrinho ou parente mais distante; provavelmente Shisui, seu primo. Os irmãos Uchihas eram surpreendentes parecidos, tanto na aparência, quanto nos interesses. Não foi muita surpresa para Fugaku, portanto, quando viu o filho mais novo traçar o mesmo caminho de Itachi, ao ingressar no curso de Direito. E mesmo que não tivessem seguido o caminho já planejado pelo pai, ambos conseguiram se destacar na área escolhida, tornando-se profissionais excepcionais.
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Diké
RomanceEntre os gregos antigos, recorriam ao culto da deusa Diké aqueles que clamavam pela Justiça, sabendo que a divindade impiedosa não pouparia os corações nefastos e traiçoeiros. A musa tornou-se então o símbolo mor daqueles que em seu ofício lutam pel...