The judgement

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Um dos pilares que sustentam a modernidade em que vivemos é o individualismo sistemático; a dissociação com a coletividade, o estranhamento com o outro que nos leva a enxergar com naturalidade a assimetria social entre classes e a debilitada liquefação de nossas relações. Esse cenário onde atuamos faz com que cotidianamente esbarremos com trajetórias de inúmeras outras pessoas sem que os caminhos se entrecruzem, um tempo tão acelerado que nos faz correr ao ponto de esquecermos o que vamos, enfim, encontrar na linha de chegada. No frenesi que caracteriza todas as manhãs de um grande centro metropolitano, milhares de pessoas desconhecidas segue suas jornadas individuais, desconectadas entre si.

Contudo, naquela manhã, um fio transpassava todas aquelas pessoas e parecia conectá-las num interesse comum, seus olhos convergiam a um ponto específico; ou melhor, pontos específicos. As telas de aparelhos eletrônicos, de celulares a televisores, eram preenchidas com os incontáveis noticiários que transmitiam em tempo real as mais atualizadas notícias do grande dia tão esperado. A agitação pairava no ar e podia ser vista de modo mais contundente nas fachadas de lojas e estabelecimentos, nos quais os âncoras de diferentes canais jornalísticos tomavam as amplas telas de TV. E ainda que todos estivessem em sua jornada individual, vez ou outra era possível observar algum transeunte que, mesmo apressado, tirava alguns segundos de sua rotina para checar as novas atualizações.

Em uma das tantas transmissões, um apresentador mantinha postura firme e séria, o semblante sóbrio amadurecendo ainda mais os traços de sua idade. Junto a sua imagem, na tela se encontrava também a chamada da notícia, letreiros brancos que se destacavam numa faixa avermelhada, intentando chamar a atenção do telespectador. No canto, o horário indicava que o noticiário estava ao vivo, e o âncora passava as informações com um olhar preocupante, retomando o caso que abalou o país inteiro e anunciando o dia que todos ansiavam.

– Após seis meses da abertura do inquérito policial, acontecerá hoje a primeira sessão do julgamento do empresário Uchiha Fugaku, presidente fundador da empresa multinacional de tecnologia, a MKT Coorporation. O polêmico caso que chocou todo o país envolve o CEO Uchiha e o líder da empresa Manda, Orochimaru, cujo julgamento também está previsto para ocorrer nos próximos meses. – A voz clara e límpida mantinha-se constante enquanto anunciava o caso, e logo uma fotografia apareceu na tela, dividindo o frame com a imagem do busto do âncora. Na foto antiga, Fugaku e Orochimaru estavam juntos, suas expressões apaziguadas, vestimentas formais e o ambiente em que estavam davam indícios de que a ocasião da fotografia era uma coletiva de imprensa. Tal imagem havia circulado em diversos jornais há pouco mais de um ano, quando a grande notícia da época era que os dois grandes CEOs tinham fechado uma parceria com seus impérios da tecnologia. Agora, o contexto era absurdamente diferente. – Os empresários estão sendo acusados de suborno, sequestro, corrupção, coação irresistível física e moral, abuso de incapaz, estupro, incitação ao homicídio, produção ilegal de drogas e substâncias letais e propriamente diversos homicídios triplamente qualificados. Pela natureza hedionda, os crimes são inafiançáveis e a promotoria segue em intensa investigação sobre Orochimaru e seu ajudante que comandava o laboratório químico clandestino, identificado como Yakushi Kabuto. As grandes suspeitas são que os empresários estavam por trás de crimes como o atentado da escola Ousai, o assassinato de Inuzuka Koji e Hyūga Hanabi, bem como o acidente catastrófico do avião que transportava produtos da empresa RATec, o qual levou a óbito todos que estavam a bordo. Parte da polícia local também está sendo investigada por corrupção administrativa e operativa por ter cooperado e se omitido perante as infrações dos empresários. O mesmo acontece com a companhia aérea responsável pelo transporte dos produtos da RATec, também em investigação. – Em brevíssima pausa, o repórter inspirou de modo mais prolongado, como se a imparcialidade fosse um ideal difícil de acontecer no mundo real. As palavras que ele deveria verbalizar a seguir estavam prontamente dispostas no teleprompter a sua frente e certamente ele já tinha abordado o caso inúmeras vezes no decorrer daqueles seis meses, mas o significado de tudo aquilo continuava surpreendentemente atroz. – A dimensão incalculável e a crueldade dos crimes provocaram uma onda intensa de revolta na população geral nos últimos meses, protestantes tomaram as ruas e as diversas lojas físicas de ambas as empresas foram invadidas e depredadas em todo país.... Hoje é um dia histórico e esperado para as famílias de todas as vítimas, o dia em que esse pesadelo começa a ter um fim.

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