5. Ele

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_ E como você está? - Pergunto enquanto seguimos de volta para o hall.

_ Estou aprendendo a lidar com algumas coisas. Incluindo minha própria culpa em tudo o que aconteceu. - Ela fala calmamente e eu não consigo acreditar no que ouvi.

_ Como assim sua culpa? - Paro de andar e quando ela não me responde, apresso o passo e paro em sua frente, para poder olhar em seus olhos cor ambar. - Como assim sua culpa Isadora? - Pergunto outra vez, e ela desvia o olhar, o que me revolta, porque sei que como ela, muitas outras mulheres também vivem este mesmo sentimento. - O que aconteceu com você, não é nem nunca foi culpa sua. Mulher alguma escolhe ser agredida Isadora. - Falo seriamente com ela e a vejo olhar para os lados como se procurasse algum especulador. - Você ainda não contou a ninguém, não é?

_ Eu nem ao menos consigo pronunciar a palavra. De alguma forma eu me permiti iludir dizendo a mim mesma que se eu não disser em voz alta, não é real. É uma grande tolice, eu sei...

_ Não é tolice. Se tem uma coisa que eu aprendi aqui é que cada um tem seus meios e tempo de lidar com sua dor, se essa tem sido a forma que você encontrou neste momento, quem sou eu para julgar.

_ Eu só consigo pensar no quanto eu fui fraca. - Ela fala pensativa. - Eu não gritei nem uma vez. Eu não lutei, nem mesmo resisti. Tudo que eu fiz foi ficar parada lá, assistindo enquanto ele....- Ela para por um segundo e a dor em seus olhos me fere verdadeiramente. - Eu não fiz nada André, eu não fiz nada.

_ Isadora, não foi culpa sua. - Falo mais uma vez. - É muito comum que pessoas travem em situações de pânico.

_ Não deveria ser comum para mim. - Ela fala e eu não posso deixar de notar o tom de raiva em sua voz. - Minha mãe é uma mulher sábia, e desde sempre ela nos incentivou, na verdade quase nos obrigou, a fazer um exercício, aprender outro idioma, aprender um tipo de luta e um instrumento musical. Meu irmão Samuel, muito mais sensato do que eu, joga hóquei, fala francês fluente, luta muay thai e toca piano. Os gêmeos Valentim e Bernado jogam basquete, falam espanhol e japonês, lutam taekwondo, e tocam bateria e guitarra. Minha irmã Grace joga vôlei, é fluente em grego e francês, luta judô e toca violão além de ter uma voz incrível, mas eu, a ovelha negra da família, sempre quis fazer as coisas ao meu modo. Em esportes escolhi o xadrez, em idiomas eu estudei frances, italiano e espanhol, eu toco violino, mas quando o assunto é luta eu me recusei veementemente, eu pensava que jamais precisaria desse conhecimento, principalmente porque naquela época nós andavamos com no minimo dois seguranças para cada um, então eu troquei a luta pelo balé. - Ela sorri amargamente. - Eu escolhi não saber me defender.

_ Sempre a tempo de escolher diferente. - Falo com ela, que me olha com um interrogação em seu rosto. - Você pode fazer aulas de defesa pessoal, ou quem sabe, outra arte marcial.

_ Eu acho que estou muito velha para começar a fazer qualquer tipo de arte marcial agora. Além do mais do que adiantaria, o pior já aconteceu e mesmo que eu tente de todas as formas me iludir, eu não posso mudar o passado.

_ Eu discordo. - Falo sorrindo, mas ao ver a interrogação novamente em seu rosto, eu me dou conta do que disse e tento me explicar. - Eu acredito que não existe idade para aprender artes marciais, a parte de voltar no tempo é realmente impossível, o que você pode fazer é se focar no presente e no que você pode fazer por si mesma agora.

_ Eu ainda não sei se me sinto confortável com essa ideia.

_ Eu posso te dar algumas aulas particulares, meus alunos dizem que eu sou um ótimo professor. - Faço graça e vejo ela sorrir levemente. - Nós ainda temos um tempinho antes do almoço, eu posso te dar uma aula experimental agora mesmo, só precisamos de uma sala vazia.

TentaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora