15. Lembrete

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Olho mais uma vez para a pequena caixa em cima da cama e o desespero tenta me dominar e me levar de volta para a escuridão que tenho tentado tão ferozmente escapar.

" Você estar grávida é tudo o que falta para que sua pobre e miserável vida, fique ainda pior. É engraçado pensar que você tem tanto ressentimento da sua mãe biológica e a cada dia se parece mais com ela." 

Fazem exatos três meses, treze dias, oito horas e trinta e dois minutos desde que eu vi minha vida escapar como areia entre meus dedos, e durante todo esse tempo várias coisas aconteceram. Eu comecei a trabalhar na casa cinza como professora de balé clássico e minhas turmas já contam com mais de trista alunos. Continuo fazendo terapia semanalmente, o que tem me ajudando bastante com tudo, principalmente depois que foi diagnosticada com trastorno pós traumático. É claro que eu ainda não disse nada sobre a voz em minha cabeça, nem tão pouco sobre o que realmente aconteceu naquele banheiro, mas a esse ponto Talvez nem seja necessário, eu me tornei muito boa em ignorar a voz, e bem Érica já sabe todo o contexto daquela noite maldita, não sei se preciso dizer com palavras e riqueza de detalhes o que aconteceu. Também tenho passado mais tempo com a minha família, principalmente com Grace, e a partir de segunda-feira, começo a trabalhar na Cristal como modelo fotográfica.

Mas agora, enquanto eu olho para aquela maldita caixinha, eu só consigo pensar em como tudo que eu conquistei pode ruir em questão de segundos.

"No fundo, eu torço por isso."

_ Filha?! - Escuto batidas na porta e rapidamente pego a caixa e a escondo por entre os travesseiros, segundos antes que minha mãe abra lentamente a porta. - Está tudo bem? - Ela me pergunta, provavelmente pelo selo de culpa estampado em meu rosto.

_ Sim, está tudo bem. - Falo abrindo um sorriso forçado para ela, e sentindo meu rosto doer. - Você precisa de alguma coisa mãe? - Pergunto, tentando desviar do assunto e parece funcionar, porque em seguida ela entra no quarto desatando a falar, e isso muito me alivia.

_ Que bom que ainda não começou a se arrumar, eu consegui um horário com Vincenzo e ele e sua equipe estão vindo para cá.

_ Vincenzo está vindo para cá?- Repito meio aérea, enquanto tento me lembrar do que eu estou esquecendo.

_ Ser casada com o magnata dos diamantes tem suas vantagens. o nome Grimald abre muitas portas. - Minha mãe fala indo até o meu closet e enquanto ela vasculha por lá, a sensação de que estou esquecendo algo importante não me abandona. - E então, qual dos dois? - Ela me apresenta dois vestidos de gala que eu nem sabia que tinha. Um prata, com pedrarias no busto até a altura da cintura, costas nuas e uma saia longa com um pocado até a coxa. E o segundo é rose, também longo, também com um pocado até a coxa, mas o corte é simples e menos chamativo que o primeiro, além de ser coberto nas costas.

_ O rose. - Falo no automático e só quando finalmente a lembrança de um certo alguém me entregando um convite pomposo me veio a mente, é que eu me lembro que dia é hoje. - Ah não, não, não, não. - Falo, me jogando em minha cama e pegando um dos travesseiros para sufocar meu grito de frustração.

_ Qual dos dois. - Minha mãe me pergunta, ignorando totalmente meu estado lamentável, enquanto me mostra dois pares de sapatos. Um scarpam meia pata nude, e uma sandália, um pouco mais baixa, também rose, com uma pequena fivela dourada na frente.

_ Não importa, eu não vou. - Falo após olhar para ela e em seguida volto a cobrir meu rosto com o travesseiro.

_ A de tiras finas então. - Ela fala me ignorando, enquanto coloca a sandália na cadeira ao lado do vestido que eu escolhi.

_ Mãe....- Tento questionar, mas sou cortada antes mesmo de falar qualquer coisa.

_ Você vai tomar banho sozinha, ou eu eu vou ter que te dar banho nessa cama mesmo? Só me avisa para que eu possa pegar o balde. - Ela fala e eu volto rapidamente a me sentar na cama, incrédula.

"Ousada! Eu gosto do estilo dela."

_ Mãe...

_ Não tem mãe, Isadora, nós vamos a esse noivado quer você goste, quer não. A Angel é minha amiga, não só ela, como toda a família, e eu não vou permitir que você faça uma desfeita dessas.

_ A noiva me odeia. - Falo o óbvio.

_ Não foi ela quem te deu o convite? - Minha mãe me pergunta, enquanto procura em minha caixa de jóias algo que combine com o que "nós" escolhemos, e eu ainda sinto o gosto amargo na garganta ao lembrar do sorriso enorme e vitorioso que Eva direcionou a mim enquanto me entregava o convite.

_ Vai por mim, ela não me deu esse convite por sermos amigas, nem mesmo por ser gentil. Ela só estava marcando território e me punindo pelo baile beneficente. Além do mais, tenho certeza que nem mesmo o André me que nesse noivado.

_ Por que, ele disse alguma coisa? Vocês conversaram? - Minha mãe pergunta curiosa, e seu olhar direcionado a mim é de espectativa.

_ Quando? Quando ele disse que nós éramos amigos e que eu sempre poderia contar com ele, ou quando nós quase nos beijamos na frente de centenas de pessoas? Talvez quando ele simplesmente me deixou cair no chão como um saco de batatas e fugiu. - Falo rancorosa. -  Ele não atende minhas ligações, não responde minhas mensagens e nem na casa cinza eu o vejo mais.

_ Filha você está exagerando. Ele não está fugindo de você, talvez só esteja muito ocupado por causa do noivado, e do trabalho. O que aconteceu no baile foi só uma coisa de momento, vocês precisam sentar e esclarecer as coisas. - Minha mãe fala tentando minimizar a situação.

"Claro, e no fim de todo arco-íris tem um pote de ouro protegido por duendes". 

_ Eu tentei mãe. Tentei de verdade conversar, mas ele mudou o dia das aulas na casa cinza e eu o vi uma vez literalmente dar meia volta em um corredor e sumir antes que eu pudesse me aproximar. Se isso não é sinal de que ele está me evitando, eu não sei o que é.

_ Meu amor, as coisas nem sempre são tão simples como parecem, e mesmo as coisas mais simples nunca saem como queremos. - Minha mãe vem até onde eu estou e se senta ao meu lado. - Mas se esconder em casa não é a solução. Você precisa levantar a cabeça e enfrentar as coisas de frente independente do quão difícil isso seja. Até porque goste ou não, você é uma princesa e a realeza nunca se curva. Agora levante-se e vá se lavar, Vincenzo já deve estar chegando. - Ela se levanta e o sorriso em seu rosto me garante que não adianta questionar, eu irei a esse noivado.

_ Usar o título do papai contra mim é golpe baixo da pior espécie. - Falo com ela, que ainda tem um sorriso presunçoso nos lábios.

_ Cada um usa as armas que tem.

_ Eu deveria ter ido para Génovia com Samuel. - Penso em voz alta.

_ E passar as próximas duas semanas segurando vela para Samuel e Lili? - Minha mãe pergunta debochada.

_ Pensando por esse lado, é melhor eu começar logo a me arrumar. Não seria de bom tom chegarmos atrasado em um evento tãaao importante.

🍎🍎🍎

ANDRÉ

_ Filho? - Escuto leves batidas na porta e em seguida minha mãe adentra o quarto lindamente pronta em seu lindo, longo e discreto vestido preto.

_ Você está deslumbrante mãe. - Falo com ela e a vejo sorrir.

_ Obrigada meu querido, você também está magnífico neste Smoking. - Ela ajeita a lapela do meu blazer e a minha gravata borboleta e em seguida se afasta um pouco para poder me olhar. - Mas estranhamente você não parece muito feliz. Aconteceu alguma coisa?

_ Não, nada. É só que... finalmente chegou. - Desabafo com ela, porque apesar de querer mentir, sei que não adiantaria.

_ Devo admitir que eu já estava esperançosa com a idéia do cancelamento definitivo desse noivado, principalmente depois do terceiro adiamento, mas aqui estamos nós. - Ela fala de maneira descontraída e apesar do ar de piada eu sei que fala muito sério.

_ Você acha que estou cometendo um erro? - Pergunto me sentando em minha cama e inconscientemente desejando algo que não sei explicar.

_ O maior erro da sua vida, mas isso é apenas a minha opinião e não deve ser levada a sério. Filho.... - Ela se senta ao meu lado e segura minhas mãos. - O único que deve ser levado em conta é o seu coração e se ele te diz que Eva é a mulher da sua vida, então não se deixe levar pelo nervosismo momentâneo.

_ E se ela não for a mulher da minha vida...

TentaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora