Prólogo

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Saio pela porta de incêndio da boate, sentindo cada célula do meu corpo dolorida. Não a estrelas no céu e as nuvens pesadas me dizer que uma tempestade vem vindo.

Corro, apesar da dor, até o meu carro e nem me dou o trabalho de avisar as meus amigos que estou indo embora.

Amigos, depois de hoje não sei se posso chama-los assim, nem mesmo sei se em algum momento eles foram verdadeiramente meus amigos.

Eu preciso sair daqui.

Bato a porta do carro com força e travo todas as portas, deixando o frio daquela noite horrível do lado de fora e tentando aquecer minha alma de alguma forma, mesmo que a cada momento e a cada novo tremor isso só me pareça um sonho distante.

Visto meu casaco de crochê bege e as primeiras lágrimas começas a sair dos meus olhos ao lembrar de como fiquei feliz quando minha avó o fez para mim e como agora ele parece não cobrir o suficiente.

Choro como um bebê, deitada sobre o volante e deixo que minhas lágrimas lavem minha alma. Mas chorar não será suficiente, não quando as lembranças dessa noite horrível ainda estão tão nítidas em minha cabeça. Eu preciso esquecer, preciso parar de pensar, de sentir, e só existe uma coisa para isso....

Ligo o carro e saio cantando pneu, decidida a não me prender na dor. Tento calar as vozes em minha cabeça enquanto canto a plenos pulmões "Lost in paradise" (evanescence), mas a cada palavra cantada, tudo que consigo fazer e lembrar e me odiar a cada segundo por não ter sido mais forte, por não ter sido mais prudente, por não ter ido para casa mais cedo, por ter sido tão tola, tão ingênua, por confiar de mais, por ainda estar viva.

A chuva começa a cair pesada do lado de fora dificultado a visão e um pensamento sombrio vem a mente. Se eu apenas me permitir ser levada, se apenas não resistir....

Acelero o carro e o sinto bambolear pela pista molhada, acelero mais e sei que não vai demorar.

"Você vai gostar"

As palavras daquele mostro são como facadas em minha alma.

"Putinhas como você sempre gostam."

Fleshs de cada toque, cada investida, cada tapa, chute e socos me cegam mais do que a chuva e as lágrimas.

"Sua pele é tão macia e quente quanto eu pensei que seria."

As vozes em minha cabeça, são mais altas que a voz aguda de Evanescence no rádio, as gargalhadas dele me fazem tremer em uma mistura de terror e ódio.

Eu quero mata-lo, eu quero morrer. Eu só quero que tudo acabe de uma vez, e quando vejo aquelas luzes piscando não muito longe, eu sei que alguém ouviu minhas orações.

Acelero mais o carro e sei que agora não conseguiria parar nem se quisesse. Eu já não estou mais no controle e a catraca que me separa do trem em movimento a minha frente, já está a centímetros de distância. Mas antes que eu a alcance, antes que finalmente toda a dor me deixe, sinto meu carro ser atingido na lateral por algo pesado que o tira da rota e o faz rodar como um pião na pista molhada.

Fechos meus olhos, implorando para que o carro capote e com sorte exploda me levando, mas nada acontece. Segundos se passam e eu ainda escuto a música alta que invade o ambiente e que a cada segundo se torna ainda mais propícia ao momento.

Meu peito dói pelo airbag que se acionou e me prendeu ao banco do carro, e essa dor é bem vinda, pois me priva de pensar por alguns tempo, não que isso vá durar.

_ MERDA! - Escuto uma voz alta e grave ao longe e eu abro meus olhos para ver aquela estrutura humana alta, forte e sombria vir a passos rápidos e raivosos em minha direção.

TentaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora