47. Arritmia

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Era segunda-feira, porém todos os estudantes estavam em casa. A voz da jornalista soava polida na televisão dos Kim, não pela primeira vez:

"A Defesa Civil de Seul está em alerta por conta das chuvas que têm caído na cidade desde a manhã de domingo. Nas últimas 4 horas foram registrados 24mm de chuva. A previsão é que até o fim do dia, mais 14mm atinjam a cidade. O alerta segue durante todo o dia, até amanhã, quando são esperados 40mm de chuva. Com o alto volume, a Defesa Civil alerta que muitas localidades podem ficar com áreas propícias a acidentes em decorrência de queda de galhos de árvores, alagamentos e de descargas elétricas. Recomenda-se que evitem usar aparelhos eletrônicos ligados à tomada. Em caso de rajadas de vento: não se abrigue debaixo de árvores, pois há leve risco de queda e descargas elétricas e não estacione veículos próximos a torres de transmissão e placas de propaganda..."

Seokjin desligou o aparelho que repetia a mesma manchete pela décima vez, provavelmente, além de que todos os canais pareciam transmitir a mesma coisa: a tempestade descontrolada que atingiu a cidade e as autoridades que recomendavam que os cidadãos evitassem sair, para sua segurança.

Taehyung acordou, até vestiu o uniforme, mas quando soube que as orientações permaneciam, voltou a se trancar no quarto para dormir.

Aquele mês havia se passado majoritariamente dessa maneira naquela casa, como um vídeo num loop cansativo e dolorido.

Ele acordava, ia para a escola, almoçava na casa dos amigos ou pulava a refeição. Quando não havia saída, jantava com os pais, mas ficava quieto, do contrário limitava-se a responder as questões que lhe faziam.

Num dia em que teve um sonho particularmente emotivo, chegou a perguntar se estava tudo bem no trabalho de Seokjin, mas escutá-lo dizer que estava tudo certo, quando via o quanto ele estava acabado, o desanimou outra vez. Certamente o semblante cansado tinha a ver com o sofrimento, a culpa ou algo assim, mas Tae sabia que ele aquilo também era sobrecarga no trabalho, por isso essa era mais uma mentira.

Seokjin estava tentando parecer mais forte? Talvez. Não importava afinal. Ademais, não era sua culpa se o mais velho não pretendia pôr as cartas na mesa.

Havia decidido e estava focado em cumprir: não iria pressioná-los mais pela verdade, mas também não iria remoer a dor.

Cada pessoa deve fazer suas próprias escolhas.

No entanto, viver desse jeito era desgastante. Não havia mais o clima alegre no qual esteve imerso durante toda a vida. De repente, toda a cor havia se dissolvido e restavam apenas paredes cinzas com habitantes opacos ali dentro. Não era mais um lar.

Jin andava triste pelos cantos, sumia no trabalho e quando estava em casa, disparava broncas e as reclamações de sempre, na tentativa de trazer alguma normalidade, mas isso não funcionava. De fato, só piorava as coisas.

Namjoon demonstrava ter aceitado a derrota e ficava calado grande parte do tempo, parecendo preocupar-se maiormente com alguns pontos práticos. Quando Taehyung resolvia aparecer nas refeições, ele questionava sobre a escola e sobre a saúde do filho, apontando o quanto ele estava magro.

Tae admitia que estava fazendo coisas erradas. Sabia que pular refeições não era a solução e que ignorar os dois também não, mas sempre que se sentava à mesa, o clima ficava tenso. Ao invés de se olharem nos olhos, eles comiam no automático, fitavam os pratos e conversavam assuntos como os que Namjoon levantava.

Jin parecia estar com medo de ser atacado a qualquer momento, enquanto Taehyung não queria dizer ou questionar algo para receber apenas respostas nas quais não teria fé.

Innocence | VhopeOnde histórias criam vida. Descubra agora