68. Últimos pedidos

407 30 52
                                    

Às vezes a morte é temida, outras vezes é aceita de bom grado, mas de todas as verdades sobre ela, uma é mais comum: a morte não é fácil.

Talvez morrer até seja simples, mas o que faz barulho de fato é o que vem depois, é a vida de quem fica.

Há quem lide bem, há quem lide mal, porém até para os fortes, ela traz consequências, deixa rastros. Marcas. Resquícios de um passado que nunca mais poderá ser vivido outra vez.

Sem repetições.

Sem votos renovados, sem novas viagens, sem mais filhos, sem conversas repetidas, a comida favorita... Fotos. A voz. O abraço. O cheiro. A roupa.

Tudo dói. Machuca sem nenhuma compaixão.

Alguns dizem que o luto é egoísta, muitas vezes mais doloroso para quem tem remorso. Contudo, até quem não tem porquê se culpar, pode almejar reviver todas aquelas certezas, todos aqueles momentos intencionalmente vividos para aproveitar bastante o tempo. Como cenas de um filme, se deseja repetir até cansar, ainda que a vida - quer dizer, a morte - não permita reward.

Jang Ji-Yeo não se arrependia de nada.

Durante toda a sua história, por mais revolta que pudesse sentir pelo excesso de controle dos pais, não podia reclamar. Acabou fazendo de tudo para se livrar da tirania, mas conseguiu entendê-los, enfim; apenas não concordava. A despeito dos esforços parentais, a teimosia sempre a fez ter tudo o que quis. A teimosia e o amor que eles lhe dedicaram.

Mimada com tudo de material que muitos não tinham, por muito tempo ela se viu carente do que todos pareciam ter: amor.

No entanto, a maturidade a fez entender como os pais a amavam e as diversas formas que usavam para demonstrar, ainda que não fossem as que ela buscava quando mais jovem.

Somente com a experiência dos anos, Ji-Yeo notou de onde veio sua personalidade frontal e pouco sensível. Era igual aos pais. Por isso, não podia criticá-los. Era tão distante quanto, tão fria quanto e tinha até menos tato para sentimentos do que eles.

Depois disso, pôde enfim experimentar alguma conexão, mas nunca os teve como pais carinhosos e atenciosos, mesmo sabendo que a amavam de verdade.

Todo o crescimento da relação, que se tornou parte da sua história, a fazia sentir que era uma dádiva a proximidade com o fim de seus dias.

Olhar para o passado e ver como ela e os pais aprenderam a conviver e passaram a entender uns aos outros, a fazia ter apertos na garganta. A fazia sentir coisas que não gostava de sentir.

Não podia evitar ser atingida pelo luto recente por causa das pessoas que mais amou na vida.

Não restou sequer aquele homem que prometeu estar com ela para sempre e que a pediu em casamento.

Ji-Yeo não seria capaz de suportar a carga por muito tempo, principalmente porque os pensamentos não a deixavam em paz.

As palavras de Taehyung também não.

Será que você tem um coração?

Amou alguém nessa sua droga de vida?

Mas ela amou. À sua maneira, mas amou.

E quase todos os seus amores estavam mortos.

Enquanto ela estava ali, o coração se tornando cada vez mais frio, cada vez menos vivo.

- Será que você tem um coração? - Jang sussurrava, repetindo, a voz cansada, pensando estar sozinha no quarto.

- A senhora disse algo? - A enfermeira se aproximou com a nostálgica bandeja pequena contendo comprimidos coloridos.

Innocence | VhopeOnde histórias criam vida. Descubra agora