CAPÍTULO 3

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ORFANATO SANTA LÚCIA, 2010.

A garota sentou-se na janela mais alta do prédio, e encarou a rua, enquanto rolava por seus dedos a pequena aliança.

— o que está fazendo aí Melissa?! Não seja boba, ele nunca iria voltar apenas por uma pirralha como você! — Hana, a filha da diretora do orfanato diz maldosa.

— você não sabe de nada. Ele só não pode ainda, mas tenho certeza que vira. — a menina ruiva diz convicta.

— ele é rico agora, deve esta rodeado de garotas e nem lembra que você existe. — a mais velha insultou mais uma vez, fazendo que uma lágrima solitária descesse pelo rosto rosado da menina. — uma gorda horrorosa como você, não merece ter nada, nenhuma família quis, nunca ninguém vai te querer. — a garota que tinha por volta dos 16 anos, empurra a menor que se segura por pouco, para não cair da janela.

A mais velha saiu rindo, enquanto a garota deixou as lágrimas rolarem. Era triste, mas a cada dia perdia mais as esperanças que seu príncipe voltasse para buscá-la.

...

MELLISA, DIAS ATUAIS.

O irmão do Gustavo me olha de um jeito tímido. É inacreditável que um homem desse tamanho e tão belo, seja tímido. Mas ao longo da semana Gus já havia comentado sobre seu irmão ser um tanto esquisito, sem falar que o povo da cidade também comenta sobre Rafael.

— Gustavo achava que você não viria. — comento, enquanto tento colar um cartaz na parede. Só tento, porque não sou muito provida de altura, então sempre preciso usar um banquinho.

— não gosto muito de lugares fechados e pessoas. — murmura baixo, e sinto sua aproximação atrás do meu corpo. — deixe-me colar isso para você. — seu enorme corpo para atrás do meu, e ele desliza suas mãos pelo cartaz aderindo na parede.

— obrigado. — minha voz sai diferente, apenas por esta sentindo o seu cheiro embriagador tão próximo a mim.

— não foi nada moranguinho.

Moranguinho... moranguinho...

Meu corpo paralisou, contei até dez, tentando fazer meu coração acalmar e me obrigo a virar meu corpo, e encara aqueles olhos verdes, levei minha mão ao pescoço e apertei contra meus dedos aquele arco dourado que nos ligava.

— Didi... — minha voz sai em um sussurro, e ele me olha em completo desentendimento.

— você esta bem? — me olha preocupado. — você está pálida. — pega minha mão, e me faz sentar em uma cadeira. — quer eu a leve a enfermaria? — oponho encarando meu príncipe, hoje muito diferente, mas inegavelmente ele.

— vou ficar bem, foi só uma pequena queda de pressão. — ele assente, ainda preocupado. —  porque me chamou de moranguinho? — tinha que perguntar, tinha que arrisca se ele realmente não lembraria de mim.

— você é baixinha, sua pele é corada, e tem essas pintinhas, e o cheiro dos seus cabelos. — enumerou com um sorriso constrangido.

Fechei meus olhos por um segundo, e deixei minha mente voltar a 14 anos atrás.

— porque me chama de moranguinho?  pergunto ao garoto que me fita com seus belos olhos verdes.

— seu cheiro, seus cabelos e sua enorme altura.  ele disse divertido, e faz cócegas em mim. — e você, porque me chama de Didi?  pergunta, parando de fazer cócegas.

— você não gosta do seu nome, e esse era o nome do meu ursinho preferido. — ele sorri me abraçando.

— você é a única pessoa que amo e confio, sabia meu moranguinho doce?  assinto sabendo que ele também é a minha.

...

— vamos, acho que a reunião já vai começar. — levanto para seguir para a sala de aula.

Sem duvidas é o meu Didi, mas por algum motivo, ele não me reconhece. Claro que meu peito esta cheio de decepção, porem não sei como abordá-lo no momento.

— você é professora aqui? — pergunta interessado.

— sim, professora de história. — assumo orgulhosa.  

Seu sorriso tímido, é extremamente fofo, e a forma hesitante que ele olha ao redor, me aperta o coração, e me faz querer abraçá-lo.

— você acha que terá muita gente? — hesita nervoso, e reconheço aquele menino, nesse homem.

— todos os pais. Hoje será minha apresentação como professora, e também alguns avisos sobre as novas normas escolares e estas coisas, então a diretora convocou todos os pais.

Caminhamos até o auditório, e vejo bastante cadeiras ocupadas, todos nós olham como se tivéssemos duas cabeças, e acho isso muito estranho. Dou um sorriso para Rafael e caminho em direção as cadeiras reservadas aos professores e me sento. Olho discretamente e vejo o homem caminha até a cadeira mais solitária e distante das que já estão ocupadas, uma mulher loira o cumprimenta cheia de dedos, e vejo que ele fica muito nervoso mexendo a perna freneticamente.

— oi! — um moreno alto com um sorriso arrogante, senta-se ao meu lado. — sou o vice diretor Jeferson.

— prazer, sou a nova professora de história, Melissa Marques. — me apresento, e volto a olhar para onde Rafael, que esta a cada instante, mais desconfortável.

— você é alguma coisa do Savóia? — o homem ao meu lado pergunta, e eu me viro rapidamente lembrando bem esse sobrenome.

— Savoia? — questiono agora, tendo a confirmação definitiva, de quem é o Rafael.

— sim, o Rafael Savóia. — sorriu com desagrado.

— sou amiga do Gustavo, fui apresentada ao Rafael hoje, não conhecia seu sobrenome, por isso estranhei. — dou de ombros, tentando não demonstrar importância.

— se você acha que tem alguma chance com ele, é melhor desistir. — olho para o homem, odiando sua intromissão desnecessária. — ele é estranho, acho que é gay e não tem coragem de assumir, tem pânico de mulher e não fica próximo a homens, talvez para não cair em tentação. — debocha, e o olho com nojo.

Não lembro quando cheguei ao orfanato, porque era muito pequena, mas conforme ia crescendo, sempre tive o Lúcio (Didi) comigo. Ele não gostava de pessoas, quando já maior, mesmo sem que ele tenha cumprido sua promessa, eu ainda gostava de saber sobre ele, então soube a sua história. Talvez ele não tenha se recuperado.

— com licença. — não espero sua reposta, enquanto caminho em direção ao homem, que está suando nervoso. — venha comigo. — convido estendendo a mão, e ele pega sem hesitar. 

Caminhamos para fora do auditório, e escuto sua respiração aliviar, paramos ao lado de uma janela que dava para o exterior da escola e entrava um vento fresco. Encarei ele, e segurei suas mãos suadas e trêmulas.

— respira Rafael, vai ficar tudo bem. — ele fecha os olhos, respirando apressado, e em um ato de impulso o abraço. — shiii... vai passar... — passo minhas mãos por suas costas, tentando acalma-lo.

Lembro de quando éramos criança e ele tinha esse tipo de problema, eu cantava uma musiquinha. Como é bom telo junto a mim, mesmo que não tenha me reconhecido. Quero saber tudo sobre ele, e não irei permitir que se afaste novamente, se ele não me reconheceu, o farei se lembrar de mim novamente, eu sinto que algo ainda nos liga.

DOCE MEL |+18|Onde histórias criam vida. Descubra agora