16. Quartervois

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Quatervois: a crossroads; a critical decision or turning point in one's life.
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Os olhos de Seokjin brilharam ao ver a lâmina ensanguentada.

Aquilo não poderia estar acontecendo.

Os corpos amontoavam-se, guinchos que se assemelhavam a sinos ecoando na cabeça do anjo. Ele estava em estado de choque, seus músculos não mais obedeciam aos seus comandos e ele se sentia completamente impotente.

A figura divina reluzente curvou-se em agonia, a luz em si agora esvaecendo-se até que se limitasse a uma cintilação tênue, o rosto em um misto de agonia e perplexidade, apertando as mãos em volta de seu corpo e sentindo o líquido quente e viscoso jorrando para fora de si. Sangue. Ele estava sangrando.

Seokjin não conseguia desviar seus olhos. Ele ouvia as súplicas de seus colegas, ouvia as vozes fracas e roucas chamando seu nome ao fundo, implorando por ajuda, sentia os pedidos de seu próprio corpo por uma pausa, mas ele não podia desviar seus olhos daquela cena. Não, ele precisava assistir.

O lugar que antes era um empíreo etéreo, seu lar, agora só guardava resquícios da tragédia que ali acontecera. O cheiro era pútrido, invadia suas narinas e impregnava todos os objetos à sua volta, esse era o cheiro da morte. A música serena que ecoava continuamente por todos os cantos já não tocava mais, ela fora substituída pelo ensurdecedor silêncio e pelos lamúrios daqueles que haviam sido abatidos, uma sinfonia mórbida que o assombraria pelo resto de seus dias.

A figura negra corpulenta puxou a lâmina de volta em um movimento brusco, trazendo-a lentamente até sua boca e dando um sorriso ladino ao percorrer a língua pelo sangue que dali escorria. As plumas escureceram-se, crescendo e se retorcendo até que a estrutura ficasse três vezes maior que seu corpo, abraçando-o junto a uma sombra negra que deslizava para fora de si.

O lugar pareceu sentir que já não havia mais vitalidade ali, as cores vibrantes e celestes do ambiente enfraquecendo, dando espaço ao cinza e ao preto, um frio extremo somado à queda de milhares de cinzas congeladas do céu, que agora caiam manchando o piso de mármore que antes era tão lustroso. A sombra da figura crescia infinitamente, varrendo o lugar e levando consigo todas as luzes para dentro de um buraco negro, retornando após ao seu dono como um serviçal fiel.

Ele chutou a figura de Cristo encolhida no chão, que agora não passava de uma massa cinzenta embebida em sua própria poça de sangue. E assim, o Senhor Das Trevas deu um suspiro contento, repousando-se sobre o trono de mármore negro.

O que foi que eu fiz?

Seus olhos encontraram-se por um segundo, Seokjin sentiu um calafrio percorrendo-o por inteiro. De súbito, o chão aos seus pés pareceu cair, o serafim percebendo a gravidade reivindicando seu peso para si.

Ele estava caindo. E quando um cai, todos o fazem.

Faça uma boa viagem, meu bem.

Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não.

Seu corpo experienciou tudo, cada uma das agonias da transformação como mil agulhas espetando seu cérebro repetidamente. Suas plumas, antes leves e formosas, agora pesavam como barro, se deteriorando e se aglutinando às costas do homem.

Ele caía rapidamente, sua pele carbonificando e se reconstituindo incontáveis vezes, até que sua consciência não pudesse mais absorver o processo. Novas estruturas pareciam começar a ligar-se dentro de seu corpo, centenas de ossos quebrando e se religando, estalos inaudíveis a qualquer ser humano, mas que para sua audição sensível pareciam incontáveis tiros ressoando em seu tímpano.

Elysium| jjk + pjm [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora