#5. H

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Pisco os olhos diante da claridade que entra pela janela.

Sinto uma dor nas costas. Quando vejo minha posição entendo o porquê. Estou toda torta no sofá. Aos poucos vou me recordando da noite anterior.

Kerem demorou 7 horas para voltar para sua casa e para sua filha pois estava trabalhando. Por mais que tenha ficado muito brava, eu entendo o ponto dele. Ele nunca teve alguém para realmente cuidar e amar. E ninguém para cuidar dele também.

Eu me sinto mal por ele.

Quando era mais nova, minha mãe estava sempre doente e meus pais viviam entrando e saindo de hospitais. Mas, sempre que podiam estavam presentes, em aniversários, formaturas... e ainda tinha Gamze e logo depois Aslan.

Não posso nem imaginar o quão solitário ele é.

Olho para o lado e o vejo meio deitado, meio sentado com o pescoço caído, com a Ayla no colo. Sorrio para a cena. Ele fez um grande avanço ontem, que eu não esperava.

Depois de descobrir que ele havia comprado as fraldas, eu troquei Ayla e então fizemos pipoca e ficamos assistindo Peaky Blinders até pegar no sono. Os três pelo que pude ver.

Ayla já está acordada. Com os olhos atentos, mas sem chorar.

Eu a pego com cuidado do colo do pai e vou em direção à cozinha. Faço sua mamadeira enquanto começo a preparar o café.

Alguns minutos mais tarde, Kerem aparece correndo na cozinha, descabelado. Quando vê Ayla na cadeirinha, ele solta um suspiro colocando a mão no coração.

-Bom dia. – Eu digo alegremente, achando graça do seu desespero.

Ele se recupera, e vem até a bancada da cozinha e se senta, como se nada tivesse o afetado alguns segundos antes.

-Bom dia. – Ele diz emburrado. Eu ainda me surpreendo com essa versão educada. -Você conseguiu terminar de assistir o episódio?

-Não! Acho que dormi na metade!

Ele toma um gole de café e começamos a conversar sobre a série de ontem. O que achamos de cada personagem, dos episódios... Depois começamos a falar das séries que gostamos e dos filmes que já assistimos.

-Então. – Eu digo tensa. Hora de encarar o elefante na sala. – Sobre ontem...

Ele me olha, franzindo a sobrancelha, esperando que eu continue.

-O que você falou. Sobre... hm... sobre eu ficar?

-Sim, e ai? – Ele pergunta tranquilamente.

-Pode desenvolver?

-Pensei que estivesse sido bem claro ontem. Você não pode ir embora. Não agora. Eu não sei nada sobre bebê e do nada eu tenho que cuidar de um. Preciso de ajuda.

Eu paro. Pisco. Abro a boca. Fecho. Pisco de novo.

-Eu não posso morar aqui! – Eu digo, finalmente.

-Por que não? – Ele diz, como se fosse simples.

-Ora, por que eu tenho uma vida? Tenho uma casa, uma família... Não posso largar tudo só para te ajudar e...

Olho para a bebê. Isso seria uma opção? É muita loucura até para mim. Mas só de pensar em ir embora e deixá-la aqui... meu coração se parte.

-Posso ver que você está com um dilema.

Eu o fuzilo com o olhar, e ganho mais um sorriso inteiro. Não tão parecido como o de ontem, quando me contou sobre as fraldas, mas foi um sorriso inteiro.

Someone to youOnde histórias criam vida. Descubra agora