6° Ofensa

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Eloá,

O pagode está envolvente e minhas amigas bêbadas, eu acho. Estou suando um pouco. Muita gente assim, junta e amontoada, acabam aumentando o calor - que não é nada modesto no Rio de Janeiro.

Nunca pensei que estaria em uma favela, gostando até; contudo, quanto mais tarde fica, mais eu sinto que devemos ir embora. Infelizmente, eu sei que nada tiraria minha amiga Mia daqui agora, e eu não vou sem ela. Me resta esperar seu bom senso.

Até o presente momento meu namorado não visualizou a mensagem e não deu as caras, o que me estressa um pouco. Gostaria de saber o que ele está fazendo, se está jogando bola ainda ou se apenas ignorou minha existência.

Donga não para de me olhar. Continua sentado no mesmo lugar, com a diferença de que o rapaz negro não se encontra mais ao seu lado. Ainda há muitos homens lá, com os quais ele conversa. A mesa em que eles ficam parece mais uma fortaleza, ninguém se  atreve a se aproximar. Eles ostentam bebidas caras e usam maconha, mantendo suas feições de gangsters.

Reconheço, não é só ele que me olha, não consigo reprimir algumas olhadas inocentes naquela direção. Ele me causa uma mistura de adrenalina e ansiedade, sensações que não costumo sentir por causa de um homem.

Não sou uma garota que passa despercebida, assumo isso. Tive meus momentos de glória antes de namorar o Luiz. Nas festinhas, que eu costumava frequentar com a Mia - sociais e tals -, sempre tinham pretendentes interessados. E mesmo sem toda a vaidade que deixa minhas amigas tirando o fôlego dos rapazes, eu costumo atrair atenção. Beijava alguns deles, sentia leves cócegas no interior da barriga, mas nada extraordinário.

Com o Luiz não foi diferente. Nos vimos a primeira vez em uma república masculina, de uns amigos da Mia. Luiz faz faculdade em outra universidade e tinha amigos em comum com o pessoal da minha turma, então nos juntamos na mesma rodinha. Enquanto todos se importavam apenas em esbanjar sedução uns para os outros, fumar vape, encher a cara e paquerar, eu, entediada, sentei em um sofá na área externa, desejando que minha mãe ligasse e me mandasse ir embora, para ter um argumento que a Mia não pudesse rebater, e que a convencesse a pedirmos um urber e sair fora dali. Eu gostava de estar com minhas amigas, sempre gostei, mas em alguns ambientes onde eu só enxergava futilidade e pessoas ricas competindo, para saber quem viajou para o melhor pais ou tinha ganhado o melhor celular, me sentia desencorajada a ser uma adolescente festeira. Em muitos finais de semana eu preferia o conforto do meu quarto, o aconchego da minha cama, meus livros e minhas séries. Saia mesmo quando não conseguia fazer a Mia parar de insistir até me persuadir a ir com ela nessas resenhas de riquinhos.

Naquele dia Luiz se sentou ao meu lado no sofá. Ele não parecia só mais um carinha rico e chato. Seu papo era legal e descobrimos ter muito em comum. Ele foi educado - muito - e meigo. Me cativou. Quando vi, estávamos nos beijando e ficamos nos amassos.

Mia finalmente se sentiu mal, devido à bebedeira, e me chamou para irmos embora. Luiz pediu meu número e Mia fez piadinhas disso durante uma semana inteira, o que era irritante a beça. Luiz e eu trocávamos mensagens cotidianamente e saímos algumas vezes.

Assim que minha mãe percebeu que nosso lance estava indo longe demais, me forçou a convida-lo para ir jantar lá em casa. Nessa mesma noite, durante a janta, eu quase me engastei com a comida quando ele disse a minha mãe que queria namorar comigo. Ela ficou feliz, já tinha interrogado ele a respeito de sua família e por coincidência a mãe dele era conhecida dela. Os pais do Luiz têm uma vida boa, assim como os da Mia. Não que sejam ricos, mas também não são bolsistas como eu e a Duda. Minha mãe acredita que ele é um bom rapaz, e para ser sincera, eu também acreditava até toda essa desconfiança começar.

Nosso namoro sempre foi tranquilo. Nesses três meses eu e minha mãe fomos ao apartamento dos pais dele em três oportunidades. Me dou bem com a mãe dele e ela se da bem com a minha mãe. O pai dele é bem gente boa, e até algumas tias e primas dele eu já conheci.

Love no Morro da Liberdade 1Onde histórias criam vida. Descubra agora