Final- Última parte

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Eloá, 

Meus bramidos não mudam nada, Raul não me dá ouvidos. Ele apenas dirige e se mantém indiferente aos meus pedidos para ele parar imediatamente esse carro.

O que eu poderia fazer se ficasse? Não faço ideia! Certamente não ajudaria em nada. Mas não quero sair sabendo que o Donga ficou para trás.

Eu faria o que ele precisasse que eu fizesse; iria com ele por onde quisesse.

Dentre todas as probabilidades do que poderia dar errado num dia tão especial como hoje, essa, realmente me escapou. Não imaginei que isso poderia acontecer.

Minha mãe conversa comigo para me acalmar, pedindo que eu pare quieta no banco, fechando-me em seus braços. Mas nem o desespero dela - em me ver assim e estar temendo pela própria integridade - me importa. Os tiros me importam muito menos. Minha cabeça só lateja o nome dele. 

- Só para esse carro e me deixa ficar com ele! Por favor… - Minhas forças vão se esgotando a cada pedido não atendido. Não sei por que estou agindo tão negligentemente, mas... quando ele disse que não iria sair, quando percebi que justo na noite do nosso casamento eu teria que me separar dele, doeu muito. 

- Eloá, do que adiantaria você ficar aqui? Você vai fazer o quê? - a voz da minha mãe é de puro pavor enquanto sou sacudida contra seu colo.

- EU SINTO QUE… EU NÃO POSSO... - a falta de ar, e meu estado mental, não permitem que eu junte as palavras corretamente. Mas é a isso que se resume: eu sinto.

Simplesmente sinto que quero ficar com ele. 

Não entendo bem o que pode ser isso, mas não é bom. Não é!

- Patrão me deu a ordem de te tirar daqui, é isso que vou fazer. - A afirmação do Raul é absolutamente resoluta.

Percebo que não adianta lutar. Eles falam, falam, mas ninguém entende e eu não consigo me explicar! Estou causando mais pânico em minha mãe e dificultando as coisas. Minha consciência diz que eles têm razão. Talvez eu ficando poderia atrapalhar mais que ajudar.

Desisto e deito a cabeça nas pernas da minha mãe.

Próximos da barreira policial, ela indaga ao Raul:

- E se eles reconhecerem a Eloá? Se souberem quem ela é?

Eu não estava me importando com isso, mas mesmo assim agradeci por não estar mais com meu lindo vestido de noiva. Eu poderia coloca-los em perigo se estivesse.

Como Raul não respondeu, minha mãe tomou aquilo como algo que poderia acontecer e começou a orar, se curvando sobre meu corpo e me abraçando bem forte.

Eu tremia a ponto de quase bater dentes, meus pés estavam amortecidos. Na verdade, grande parte do meu corpo estava amortecida, menos minha mente. Essa trabalhava a milhão, tentando pensar positivo, combatendo as piores possibilidades cogitadas. 

Nunca estive em meio a um tiroteio, mas aquilo não parecia mais importante do que saber que ELE estava lá fora. Eu tentava bravamente evitar pensamentos ruins do tipo " o que vai acontecer se ele der de frente com um policial da CORE?"

A resposta era uma só, eu sabia disso. Contudo, me recusava a aceitar.

Optei por criar em minha cabeça um cenário onde eles conseguiriam fugir da favela antes de qualquer mal acontecer. Tomei esse pensamento como prioridade e me obriguei a confiar na esperteza do meu recém-marido.

Raul me disse exatamente isso: que Donga é sagaz e não iria se deixar ser pego tão facilmente. Tive que confiar naquilo.

Tudo que me restava era orar também, para que Deus o protegesse e guardasse. Clamei fervorosamente a todos os santos, a Deus e a todas as forças do universo para que nada o atingisse. Lembrei das cicatrizes de tiros que ele tem; aquilo amargou minha boca.

Love no Morro da Liberdade 1Onde histórias criam vida. Descubra agora