64 Sequestro...

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Eloá, 

(1 semana e 3 dias após o término)

Saio pela manhã para buscar pão, já que hoje não tivemos aula. Na verdade, ficaremos uma semana sem aula, devido a uma greve dos professores.

Minha mãe foi para o trabalho e eu acordei no mesmo horário de ir para faculdade. Minhas noites tem sido cada vez piores...

Desço de elevador, juntamente com seu Afonso, um senhor de idade e nosso vizinho desde que me entendo por gente. Ele reclama pelo elevador estar mais velho do que ele, resmungando que precisa ser trocado. E realmente, devo concordar. Essa coisa está para despencar a qualquer momento.

O prédio em que moramos desde que meus pais se casaram, é antigo e humilde. Não temos porteiro, e tudo por aqui não é luxuoso somente porque estamos na Barra. Eu amo morar aqui, é bem mais perto da praia e um bairro bonito, mas minha mãe e eu estamos longe dos padrões das pessoas por aqui. Assim como seu Afonso.

Esse apartamento é herança do meu avô, pai do meu pai, que quando se divorciou da minha mãe, deixou para nós. Ou melhor, deixou não, ele e minha mãe fizeram um acordo. Ele não iria nos largar sem teto, botar a amante dentro do nosso apartamento e sair vivo para contar a história. Minha mãe poderia até ser traída, mas sem teto não. No fim, meu pai se contentou com o carro.

Me despeço de seu Afonso no portão e caminho distraída pela calçada.
O dia hoje está lindo, e penso em dar uma esticada na praia mais tarde. Estou muito branca, uma corzinha cai bem.

Na padaria, aguardo paciente a minha vez na fila. Aluada na vitrine de bolos e doces, minha mente voa bem longe... Meus pensamentos vão parar no Morro da Liberdade. Há mais de uma semana não tenho nenhuma notícia do Donga, a não ser por uma reportagem no jornal esses dias.

O nome dele me fez correr para frente da TV. Minha mãe se intrigou com o meu repentino interesse em jornal, já que nunca gostei. A reportagem era sobre o roubo de um carro, e a polícia suspeitava que os bandidos fossem do Liberdade.

  "... Atualmente a comunidade é comandada pelo traficante Saulo Batista da Silva, de vinte e nove anos, conhecido como Donga do Liberdade. Saulo era braço direito do antigo chefe, o Bola, e assumiu o comando há seis anos, após Bola ser assassinado por outro traficante da mesma facção criminosa, Leandro Pereira Mota, o Torto. O motivo era a disputa por poder na comunidade. Apesar de jovem, Donga é considerado extremamente perigoso pelas autoridades. Assassinou Leandro, o degolando, em retaliação pela morte do amigo. Ele aparece em um vídeo gravado pelos próprios criminosos, e postado na internet, segurando a cabeça de Leandro como um troféu e comemorando a retomada do morro. Donga é procurado e acusado por diversos crimes, dentre eles, a morte do fotógrafo... " Foram essas as palavras da jornalista antes de mais outros tantos relatos envolvendo seu nome, que eu preferi não ouvir e sai da sala.

Eles mostraram uma foto antiga dele - que certamente está na Internet ou nas mãos da polícia - e senti um misto de emoções. Incluindo, a saudade e o medo. 

Meu medo era de que a polícia pretendesse invadir o morro, o que é mais que certo, levando em consideração que houve uma invasão um dia antes de eu o conhecer, quando tivemos a péssima ideia de fazer aquele trabalho na casa da Duda.

A jornalista não mencionou nada sobre isso, mas vai saber. Talvez seja uma operação secreta, que não pode ser revelada... Em algum momento isso pode acontecer.

Tive um breve impulso de procurá-lo, mas não. "Preciso ser forte… ". Mentalizava constantemente.

Ele não me procurou... nada de ligação, nada de mensagens. No fundo, sei que ele desistiu. Caso contrário, teria encontrado meios de chegar a mim. Números diferentes, redes socias... ele teria como me encontrar se quisesse, tem até meu endereço. Não teve foi vontade.

Love no Morro da Liberdade 1Onde histórias criam vida. Descubra agora