53° Papo de visão

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Donga,

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Donga,

Abro a porta, chamo Piu e Papagaio. Eles entram.

- Bora tirar esse corpo daqui e entregar pra família. Tenta dar uma melhorada na cara do irmão, eles não precisam ver isso assim. Avisa a mulher dele que o velório é por nossa conta. - Sinalizo, indicando o Gereba, e ainda matutando meu papo com Cavera, dou o fora do barraco. Tava me dando ânsia ficar lá dentro.

Inspiro ar puro e cuspo no chão, retirando o boné da cabeça; uma forma de respeito pela morte do amigo, mas ainda mais pela tensão que se forma no meu cérebro. Parece que se eu tirar o boné alivia. Que nada... o que vai me aliviar é pegar quem fez isso e extrair até a última gota de sangue numa morte lenta.

Alguns que eram mais próximos do Gereba, estão com os olhos marejados. Uma porra assim abala todo mundo, tem nem como.

Eles se reúnem em frente a porta; outros entram, para ajudar a carregar o corpo.

Um moleque chega correndo com um lençol, que é certo, alguém mandou ele buscar.

- Donga, seria legal rezar um pai nosso pelo irmão, pode ser? - O Dá, um dos seguranças que mais tinha contato com Gereba - e que se não me engano é até parente da mina dele -, me pede.

- Claro! - Consinto, usando a cabeça para reforçar. Cavera já se encontra ao meu lado e nos juntamos aos que estavam perto da porta. Paro no meio da roda meia-lua que se forma. Os irmãos recolhem seus bonés nas mãos, a bandidagem toda de cabeça inclinada e o Dá inicia.

- Perante a essa covardia, o que nós pode fazer no momento é tá rezando um pai nosso pela alma do irmão. - Ele pronuncia isso com a voz engasgada, emocionado, porque, na real, ninguém esperava por essa diante da nossa fuça, ainda mais com um cara que era braço forte na caminhada. Tinha seus vacilos, mas geral gostava dele aqui.

- Pai nosso que estais no céu, santificado seja o teu nome... - A reza se dá em um coro de vozes baixas enquanto atravessam a porta carregando o Gereba envolto no lençol branco.

Perneta prontamente ajeita um saco preto no porta-malas do carro do Gereba, que havia ficado estacionado na rua. O corpo grande e pesado é colocado lá, demandando certo esforço para caber.

Ao final do Pai nosso, respeitavelmente cada um bota a mão na testa, peito e ombros, em referência a cruz de Jesus. Uma atmosfera pesada se instaura no instante em Papagaio e Piu entram no carro para ir dar a notícia mais triste de uma mãe ouvir: a de que seu filho está morto.

Sempre imaginei como minha mãe receberia uma notícia dessas.

Neguim costuma dizer que bandido não passa dos dezoito e a ideia foi implantada no meu subconsciente. A cada troca de tiro, a cada plantão, poderia ser a última vez e eu talvez não voltaria pra casa. Me despedia dela sempre com um beijo e um aperto no peito. Tratava as despedidas como uma despedida mesmo, sem exceções, imaginando que pelo menos grana não ia faltar pra ela e pros meus irmãos. Fechadão com o certo, caminhada limpa, não iria morrer como um vacilão. Essa era a única garantia de que minha família seria amparada.

Love no Morro da Liberdade 1Onde histórias criam vida. Descubra agora