101 Não adianta correr...

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- Ai, mãe! Para! - Reclamo, mas ela continua. As palmadas estão doendo real.

- Maldita! Sabe o que é pior? - Ela me solta. - O pior é você saber que eu sempre vou te apoiar, por isso faz isso comigo! - Se vira chorosa, terminando de se vestir.

Permaneço imóvel na cama, um bico dando dobras, emburrada pela humilhação.

Ela se volta ferozmente para mim, o dedo estendido de modo severo e censurador.

- Desmancha esse bico, se não vai apanhar mais! Não te bati direito, deveria pegar uma cinta que ai você ia ver! - passa pela porta e some, me deixando sozinha no quarto.

Ela está extremamente sentida. A falta de xingos, berros e histeria, se torna ensurdecedora. Mesmo assim, sinto que ela pode se amolecer se eu falar com mais jeitinho.

É a minha mãe. Ela jamais me daria as costas, nem numa situação dessas.

Sim, pode ser que ela esteja certa em dizer que eu me aproveito disso. É erradíssimo da minha parte. Mas qual outra opção me resta? Acatar ao que ela quer - que seria terminar com Donga - é impossível.

Busco por ela, a encontrando na cozinha.

Não sei mais o que falar. Fui honesta, abri toda a verdade e até já apanhei. Os tapas dela são dolorosos, sua mão é pesada. Já tive meu castigo físico. Não basta? Ainda terei de lidar com o castigo emocional, que é seu distanciamento e que é bem pior?

Procuro ajudá-la nas tarefas, conquistando uma aproximação. Mas nada funciona.

Guardamos o que havia na mesa, limpamos os cacos de vidro do chão, ajeitamos toda a bagunça e nada de ela me dirigir nem um olhar se quer.

Embora eu sinta que nem tudo está perdido, suas lágrimas soturnas me preocupam.

Se certificando de que a cozinha voltou a ser um local absurdamente limpo, ela tem a mesma atitude que teve no quarto. Enxugando discretamente os olhos, não se dirige a mim quando resolve ir para a sala.

Ando amuada e contrita atrás dela, como um cachorrinho perdido, implorando migalhas de atenção.

Quando ela se encolhe, dobrando as pernas rente ao peito no sofá e liga a tv, expressando aquele olhar ressentido rumo a tela, vejo lágrimas varando pelos seus olhos, sem trégua. Resolvo tomar uma atitude. Não consigo lidar com seu silêncio frio e inquietante.

Sento-me ao seu lado, os olhos suplicantes sobre ela. Já os seus me ignoram, tristes e opacos, mirando sem enxergar a tv.

- Mãe, não faz assim... não me ignora desse jeito. Eu sei que você está brava, mas... - antes de eu concluir, seu olhar voa para o meu.

- Não estou brava, Eloá! Estou destruída! Estou acabada por dentro! Há poucos meses você era a minha filha, a minha Elô doce, amiga. Minha menininha! Uma garota estudiosa, caseira, quieta! Que nunca mentiu para mim, que me contava tudo e tinha algum neurônio na cabeça. Agora... - Seu feição se contrai, como se me ver fosse um pesadelo para ela. Seus olhos entregam que não me reconhecem nessa nova Eloá a sua frente.

Eu mesma não me reconheço muitas vezes, mas será que eu era essa Eloá que ela descreveu, ou o Donga só trouxe a verdadeira a tona?

Chego a uma conclusão:

- Sou a mesma pessoa, mãe. A única coisa que mudou é que me apaixonei de verdade. Ele pode não ser a pessoa certa aos seus olhos, mas eu o enxergo muito além do que o rodeia. Eu o amo pelo que ele é comigo, pelo que me causa. Por ele eu teria te contado tudo bem antes. Quantas vezes ele insistiu que eu dissesse a verdade. Mas exatamente por ser sempre a filha perfeita, que nunca te decepcionou, não consegui me abrir com você e não quis arriscar te causar esses sentimentos ruins que causei hoje. Eu sei que você me detesta agora... - O choro me afoga; cubro o rosto. - Não queria te decepcionar nunca, mãe... Me sinto péssima por tudo que aconteceu, por mentir, te escondendo a verdade durante tanto tempo, e por ele não ser quem você gostaria. Mas...

Love no Morro da Liberdade 1Onde histórias criam vida. Descubra agora