86 Não me deixe...

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Eloá,

Cai de joelhos ao lado da cabeça do Donga e a botei em minhas pernas dobradas. Meus olhos estavam tão abertos, que poderiam se despregar e sair rolando. Minhas mãos tremiam a ponto de eu mal conseguir mante-las em seu rosto pálido e desacordado.

Cavera levou a mão para puxar a faca, e eu reagi de pronto, gritando:

- NÃO! - impedi de ele alcançar o cabo. - Se-se... - era uma grande dificuldade falar, porém, era muito importante. - se tirar a faca ele pode ter uma hemorragia!

Só lembrava de algum comentário da minha mãe enquanto assistíamos um filme de ação. Não tinha certeza se era mesmo hemorragia que minha mãe falou, ou se poderia perfurar outros órgãos. Apenas sabia que aquela faca não poderia ser removida de forma alguma agora.

- Aguenta, irmão! - Cavera mais que depressa saltou num pulo e ergueu o Donga em seus braços, como se ele não pesasse nada. - Raul, traz a Eloá!

Fiquei congelada na mesma posição, ajoelhada, sem piscar e sem mover um músculo. Sentia que poderia morrer naquele momento, e, que se isso acontecesse, seria um alívio. Não queria acreditar...

Não iria aceitar que ele... ele poderia...

Na verdade, deletei essa possibilidade de vez!

Nada o tiraria de mim!

Eu ainda olhava fixamente para a possa de sangue no lugar que ele estava antes, quando mãos me suspenderam pelos braços, uma em cada. Totalmente aérea, nada era realmente registrado de fato pela minha consciência. Somente pedia sem parar que Deus agisse, viesse em nosso auxílio e salvasse o Donga.

Sua pele estava de uma cor tão cinza-azulada, o corpo lânguido e...

- Ele... ele... está... - balbuciei. A palavra pesada que viria a seguir, era impossível de ser pronunciada. Se eu pensasse nela ou dissesse, poderia se tornar real e eu havia abraçado a ideia de que nada daquilo realmente aconteceu. Que não passava de um delírio ou um pesadelo. Em breve eu acordaria e ele estaria me irritando, me fazendo rir, me beijando ou brigando comigo.

- Não, amiga! - Duda surgiu, entendendo o que eu tentei dizer. Ou ela já estaria ali?

Abaixei os olhos e notei que as mãos em meus braços pertenciam a ela e ao Raul.

- Ouvi o Cavera dizer que ele está respirando. Mas o que aconteceu, meu Deus?! - os olhos dela continham um alto grau de assombro e perplexidade. Eu não tinha cabeça para responder nada. Isso ficou claro para ela. - Tá! Não importa agora! Temos que ir!

Não reagi. Ela e o Raul tiveram que praticamente me carregar através da multidão ainda aglomerada de curiosidade. Havia um silêncio horrível em toda a quadra. A música parou e as vozes soavam como fantasmas, pairando em cogitações e especulações. Eu estava sufocada e também amortecida. Não chorei. Mal respirava, muito menos raciocinava. Me tornei um pacote sem vida transportado por eles apressadamente. As pessoas não passavam de um grande muro de borrões escuros.

No estacionamento, eles me atiraram no banco da frente de um carro.

- Já chego lá, amiga! Vai ficar tudo bem! - Duda beijou minha testa e bateu a porta. O barulho me sobressaltou, causando meu despertar.

Não era delírio!

Examinei o carro. Cavera fiscalizava concentrado o retrovisor lateral, dando a ré. Danete, acompanhando o carro a pé pelo lado de fora, acenava a mão, instruindo para que não batêssemos em nada.

O carro rodou, a primeira foi engatada e voamos pela rua.

Minha cabeça saltou para o banco de trás. Não pensei muito...

Love no Morro da Liberdade 1Onde histórias criam vida. Descubra agora