9° Se segura!

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Eloá,

Essa é minha nova condição - beijar bandidos e aceitar carona de estranhos.

Não gosto nenhum pouco dessa nova Eloá.

Tirando o barulho do vento, e do motor dessa máquina potente que alguém chama de moto, existe um silêncio artificial momentâneo. Devido aos quinhentos outros tipos de sons aos arredores, diria que o silêncio em que me encontro é ilusório, suficiente para que eu amargue o remorso de saber que permiti que outro cara me beijasse e traí o Luís. Inevitavelmente, me sinto suja.

O terrível - e o que mais me assusta - , é que eu não consigo parar de pensar naquele beijo. E pensar naquele beijo me causa sensações no estômago. E essas sensações não deveriam ser tão boas. O certo seria eu estar enojada, atemorizada, desejando nunca ter subido esse morro hoje. Contrapondo tudo isso, me sinto viva.

Repasso aquele momento e de repente desejo repetir a dose. Foi a coisa mais louca e mais deliciosa que já fiz na vida.

Onde foi parar a minha vergonha na cara? O homem acabou de agredir uma mulher na minha frente, e eu estou careca de saber como funcionam as coisas com esse tipo de gente.

Mas, francamente, não sinto mais medo. Vou mentir? Vou bancar a samaritana bem aventurada? É a verdade! De algum modo, a lembrança dele não me apavora mais, e sim, gera uma descarga de adrenalina nas minhas veias. Não entendo.

Nunca vivi nada semelhante antes. A maior emoção que tive, foi quando passei na prova de direção da auto escola e consegui minha carteira. Ou uma vez, quando eu era criança e meu pai me levou num parque e acabou caindo no soco com o pai de outra criança por minha causa.

O Luiz não me desperta essas emoções nem de longe, e é péssimo assumir isso... Droga! O é que eu estou pensando da vida?!

Assim que viramos a esquina de um beco, saímos em uma rua reta e mais bem iluminada. Não andamos nem meio metro e damos de encontro com homens apavorantes, montados em suas motos extravagantes. O homem no meio deles, e que como uma força da natureza atrai meus olhos, é o Donga.

Ele fica muito preponderante pilotando essa maquina preta e gigante. Sua marra e seu estilo, seu jeito de olhar, de fazer aquela moto imensa se tornar um brinquedinho em suas mãos, é o que dificulta os meus neurônios a trabalharem e me faz sentir desejo de estar novamente em seus braços. Ser tocada daquela forma tão possessiva e tão máscula, ser beijada tão ardorosamente...

Independente de qualquer outra coisa, a pergunta que não paro de me fazer é: o que ele quer?

Como se meu corpo reagisse especificamente a ele e a mais nada, assemelhando-se a impressão de ter um fio invisível saído dele e ligado a mim, permitindo assim que meus músculos e os meus sentidos reajam somente na presença dele, eu estremeço e minha garganta se torna o deserto do Saara.

O rapaz que me deu carona desacelera e põe um de seus pés no chão, parando, sem desligar a moto, assim como os capangas tenebrosos á nossa frente. Donga é o único que acelera, saindo do meio deles até estar do nosso lado.

Seus olhos se dirigem aos meus braços em volta do corpo do desconhecido, a quem agarro firmemente, como se isso me protegesse do mal que me espreita. Esse mal lembra um animal selvagem, que a qualquer instante pode devorar um pedaço nosso. Seus olhos vazios analisam bem a cena, e se erguem, um tanto afunilados, parando no meu rosto. Eles se demoram um pouquinho antes de irem para o carinha que me trouxe gentilmente até aqui.

Love no Morro da Liberdade 1Onde histórias criam vida. Descubra agora