Leo

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⚠️ AVISO DE GATILHO: Pesadelo, gore, conteúdo perturbador;
Prossiga com cuidado!
Colocarei sinalizações nas partes necessárias! ♡

Leo observou enquanto Daniel dedilhava seu violão, procurando as notas certas para uma nova música. Não havia como admitir de forma séria, porém sentia como se pudesse passar o resto da tarde ali, deitado na cama de solteiro do amigo, barriga para baixo e cabeça apoiada em seus braços, assistindo-o com aquela mesma expressão concentrada de quando tentava acertar o tom misterioso que ouvia em sua mente.
"O quê?"
Reclamou, bochechas corando ao perceber sua plateia.
"Tem uma espinha no seu queixo..."
Leo respondeu com um sorriso sapeca, Daniel largando uma mão do violão para tocar o próprio rosto.
"Não tem não!" Esbravejou. "Você tá atrapalhando!"
"Você que começou..."
Ele resmungou, os lábios formando um bico de chateação falsa.
Thiago cochilava sentado, encostado onde a cama encontrava a parede, pernas por cima das de Leo e cabeça pendendo para o lado oposto dos outros.
Com certeza teria dores por um tempo depois de acordar.
Ao lado, Maia apoiava no amigo para "meditar", respirando pela boca com os cabelos sobre os olhos, bochecha apoiada no ombro de Thiago, babando em sua blusa favorita.
Era meio de tarde em uma sexta, o sol alaranjado pintava a parede paralela à janela, cobrindo a metade superior do corpo de Daniel, curvado sobre seu violão enquanto resmungava.
"Eu tava quase conseguindo, você me fez perder a nota!"
Continuou a reclamar, apertando os olhos por causa da luz intensa que deixava seu rosto menos pálido, dourado, quase como um Deus-Sol, se não fossem pelas roupas punk e os cabelos negros flutuando na linha do maxilar.
"Pra mim parecia mais você resmungando um cover acústico daquela música sobre a parada gay..."
Leo provocou mais uma vez, sorrindo de canto ao ver Daniel mais vermelho ainda.
"Não é uma- Você não entenderia da poesia por trás desse álbum nem se eu desenhasse! E não é um cover! É algo autoral."
Daniel desviou o olhar, sobrancelhas franzidas e as narinas abertas, parecendo se segurar para não expulsar Leo do quarto.
"Ahh! É um dos rabiscos do seu diário!"
"Não é um diário!"
Retrucou rapidamente, arregalando seus olhos azuis.
"Cara... Vocês nunca param de brigar...?"
Thiago murmurou com a voz falha e rouca, acordando de sua soneca.
"Ele começou!"
Ambos exclamaram em emoções diferentes, entre uma risada reprimida e um falsete de pura irritação.
"Ssshhhhhh..."
Maia pediu silêncio de maneira mole, não totalmente desperta.
Thiago riu fraco, os olhos ainda fechados enquanto se ajeitava para voltar a dormir, apoiando a cabeça na borda da cabeceira da cama, em posição não muito confortável ao acolher a amiga debaixo de seu braço gentilmente.
"Vou quebrar meu violão nesse seu cabeção!"
Daniel esbravejou, jogando uma barra de chocolate com amendoim na direção de um Leo risonho, acertando suas costas.
"Com o tamanho dessa cabeça, você acerta até um apito a cinco metros de distância."
Maia encorajou, parecendo ter acordado apenas pela chance de caçoar Leo.
"É provável, mas você só tem um violão e nós só temos um Leo. Chega de briga, os dois..."
Thiago murmurou com um sorriso, agora abraçando o travesseiro de Daniel no braço livre, em sua posição cada vez mais contorcida entre parede, cabeceira, Maia e um joelho dobrado, como se para negar que tirava um cochilo.
"Irritante..."
Daniel voltou a seus acordes enquanto resmungava, Leo olhando ao redor com um sorriso vitorioso.
Conhecia a casa do melhor amigo tão bem quanto a sua própria, embora talvez em questão de espaço pessoal, seu quarto estivesse longe de ser personalizado no nível em que o outro o fazia.
Claro, as paredes ainda tinham o papel de parede familiar estampando um céu azul com nuvens brancas, provavelmente ainda de quando era pequeno, porém era difícil não reparar que todo o lugar transpirava "Daniel". Tudo muito bem reforçado pelos posters de diversas bandas e jogos, espelho tendo algumas fotos pessoais tiradas por Maia coladas, luzes multicoloridas contornando o teto e pelo menos duas pilhas de cadernos como os que levava à escola para rabiscar suas inspirações, além da escrivaninha para seu notebook capenga, um microfone de baixa qualidade e fones enormes da cor de um laranja tosco.
Alternando entre as casas dos dois, o quarteto se reunia todos os fins de semana em atividades diversas, às vezes apenas para passar um tempo em silêncio, aproveitando a companhia uns dos outros.
Sorrindo, deitou a cabeça nos braços novamente e respirou fundo, apreciando o momento de calma por alguns minutos.
"Leo?"
Daniel chamou.
"Hm?"
Ainda tinha um sorriso leve nos lábios, olhos fechados.
"É possível ter memórias quando você tá dormindo?"
"Não entendi."
Leo abriu um olho, subitamente tenso, observando o amigo sorrir apesar do olhar tão dolorido, cinza-tempestade, que carregava.
"Você pode ter memórias mesmo em um sonho?"
"Que tipo de pergunta é essa?"
Leo riu fraco, desviando o foco de Daniel, que o encarava agora com expressão séria.
"Ainda não acabou.
Acorda."

⚠️  Conteúdo sensível, colocarei outro sinal quando terminar! ⚠️

Um estalo.
O violão parou sua melodia como se uma de suas cordas arrebentasse.
Silêncio, tirando o som de chuva forte ao longe. Ou talvez um jato de água extremamente potente, não saberia a diferença.
O quarto tinha tons sombrios e pálidos de cinza, não mais o colorido vibrante banhado pelo sol, quase como se transitasse entre várias cores mórbidas e paredes de diferentes texturas.
O adolescente grunhiu em agonia, tossindo intensamente, o ar subitamente se tornando quente e seco em sua garganta, subindo até as narinas com uma dor aguda por todo o canal respiratório.
"Leo...?"
Leo ignorou a voz distorcida de Thiago, sentando-se e colocando uma mão em seu peito, sentindo a queimação chegar aos pulmões, ressecando, ardendo e intoxicando.
Olhos arregalados, sentia o rosto suar e pinicar, rangendo os dentes ao tentar puxar ar por entre eles.
"Leo, respira!"
Maia suplicou, em algum lugar fora dali.
Seus óculos pareciam ferro em brasa contra a pele, escorregando até a ponta do nariz.
Ouvia um cachorro latindo à distância.
Crepitar de fogo, vidro estourando.
Levando a atenção para as próprias mãos, observou com um berro esganiçado bolhas crescendo e borbulhando em vermelhidão, carne viva.
Tentou mexer os dedos, que racharam e descascaram para um tom mais claro.
"Niel? Thiago! Maia?"
Ganiu em tom de terror profundo, a voz tão rouca que não parecia pertencer a si.
Não conseguia entender o que os amigos falavam agora, seu coração martelando extremamente forte na cabeça.
Levantando o olhar a Daniel, que afundava as unhas em seus ombros ao lhe segurar, teve a visão do que parecia ser sua pele, ou o que antes fora o rosto dele por inteiro, derretendo e fervendo em bolhas de pus e sangue, como as que surgiam em seu próprio corpo.
As íris azuis no par de olhos sem vida escureceram até refletirem apenas a expressão aterrorizada de Leo dentro delas, boca escancarada em um berro mudo, vendo as próprias lágrimas descendo por suas bochechas sujas de fuligem.
"Me solta! ME SOLTA!"
Esgoelava, tentando se desprender do aperto e peso de Daniel, que agora era meramente um grotesco monte de carne gosmenta e ferida, abraçando-o e despencando em cima de si ao lhe derrubar para o chão, afundando-o mais e mais para o carpete parcialmente carbonizado de uma sala em chamas.
A sala de estar de sua casa.
"EU NÃO QUERO MORRER!"
A voz ecoou até o silêncio se instaurar novamente, desesperada, esganiçada e falha, desaparecendo entre as cinzas que cobriam o chão, rodopiando graciosamente pela atmosfera.

⚠️ Sinalização! Já é seguro pra ler! ♡ ⚠️

Leo levantou num solavanco, brigando contra os vários tubos ligados a si e finalmente arrancando a máscara de oxigênio de sua boca, ofegando por ar puro.
Tentou xingar, mas nada saiu, a garganta ainda muito dolorida para tal, parecendo seca e áspera, como se acordasse à noite após um jantar excessivamente salgado.
Quando sua visão clareou e a respiração irregular lhe permitiu focar em seus arredores, não viu a parede de nuvenzinhas bregas de Daniel, os posters ou nenhum dos três amigos, apenas um quarto desconhecido.
Um quarto de hospital.

Ouvindo os próprios batimentos cardíacos, mostrados em uma tela perto da cama como as de seriados de TV, Leo deitou novamente, cuidadoso e devagar ao perceber o quão debilitado estava.
Os braços se encontravam cobertos de ataduras, não tinha mais seus óculos e sentia dificuldades em respirar, fazendo-o como um buldogue velho e gordo soava após subir dez lances de escadas.
Passou uma mão pelo rosto suado devagar, descendo seus dedos até o pescoço, onde sentiu também um curativo na nuca e um galo na parte de trás da cabeça.
Sentia frio, principalmente agora coberto de suor, os lençóis de sua cama gelados e parcialmente molhados.
"Posso acordar agora. Isso não é nada divertido."
Murmurou praticamente sem som, soltando uma risadinha amarga ao fechar os olhos e admitir que escorregasse para a escuridão mais uma vez, sem previsão de volta.

No próximo invernoOnde histórias criam vida. Descubra agora